Software Livre
Felipe Sanches
felipe.sanches en gmail.com
Mar Sep 11 01:46:55 UTC 2007
Gabriel,
Fico muito feliz de receber suas perguntas :-D
Prefiro responder primeiro a 2.a questão.
2 - Por que uma pessoa que não entende nada de informática aderiria ao
software livre? Ele não está de certa forma restrito a uma comunidade
relativamnete pequena ( comunidade acadêmica, pequenas empresas, etc ) ? Um
usuário comum não pode mudar o software para que atenda às suas
necessidades. Por que ele teria que usar um sistema operacional complicado,
softwares complicados e que não atendem às suas demandas ?
Por que uma pessoa que não entende nada de informática aderiria ao
software livre?
Resposta rápida:
Por que é bacana! Por que é divertido. Por que é útil. Por que é inovador.
Por que em geral é mais confiável.
Resposta longa:
A resposta a esta pergunta tem um embasamento pragmático, de ordem prática.
Imagino que você, assim como muitos outros internautas já preferem usar o
browser Mozilla Firefox. (se vc ainda não conhece, vale a pena experimentar)
Veja que a maioria absoluta das pessoas que usam o Firefox não sabe
programar. Isso responde em parte sua questão sobre a utilizade do software
livre (de código livre) mesmo para aqueles que não têm condições de lidar
com código. Existem zilhares de outros exemplos de softwares livres que, por
terem seu código aberto, passam pelo processo produtivo mais dinâmico que
comumente resulta em melhor qualidade. Além disso, há toda a inventividade
que brota desse caldeirão de idéias que é o desenvolvimento de software
baseado na abertura à participação de qualquer pessoa, seja no
desenvolvimento do código em si, ou seja nas discussões, feedback aos
desenvolvedores, "bug reports", "feature requests", etc.
Enquanto isso, o Internet Explorer, principal concorrente (ainda o browser
predominante no mercado) nitidamente perdeu a liderança no processo de
inovação. As grandes novidades da sua nova versão (IE 7) são claras cópias
de funcionalidades que já existiam há anos no Firefox.
O desktop GNU/Linux, apesar de ser o caso mais famoso de software livre,
ainda pode não ser tão exemplar como o Firefox, mas há fortes indicativos de
que será (de fato já está sendo) cada vez mais fácil de se utilizar até
mesmo por leigos. E, é claro, com vantagens análogas às que eu descrevi no
caso do browser acima. Veja as inovações visuais do projeto beryl, por
exemplo.
Um usuário comum não pode mudar o software para que atenda às suas
necessidades. Por que ele teria que usar um sistema operacional complicado,
softwares complicados e que não atendem às suas demandas ?
Muitas vezes, os softwares não atendem nossas demandas, é verdade. Mas,
então vamos pensar bem nos 2 casos possíveis:
a) um software proprietário não atende as suas demandas
b) um software livre não atende as suas demandas
Software é conhecimento.
Enquanto no caso do proprietário vc fica refém do fornecedor de software,
pois precisa implorar para que ele, detentor do conhecimento, aprimore o
aplicativo para que se adeque às suas necessidades, no caso do software
livre qualquer pessoa pode tomar a iniciativa de estudá-lo e aprimorá-lo
como bem entender. Obviamente nem todo mundo tem condições de fazer isso por
si só, mas pode-se pagar para que alguém o faça para você.
Neste ponto você deve estar pensando "poxa! mas se no fim os leigos precisam
pagar pra alguém fazer, então acaba sendo a mesma coisa que pagar para
empresas como a microsoft, por exemplo..." Mas, não. Não é a mesa coisa, por
que no caso do software livre você lida com desenvolvedores de software
livre comercial (sob demanda) em um mercado de livre concorrência. Já quando
o software é proprietário, há apenas um player no mercado capaz de fazer o
aprimoramento no software em questão. Sendo assim há até mesmo a
possibilidade de o fornecedor da solução proprietária simplesmente negar-se
a prestar-lhe o serviço de customização de software independentemente do
quanto você esteja disposto a pagar.
Ou seja, software livre significa autonomia sobre os rumos da tecnologia
adotada. Até mesmo para aqueles que apenas a consomem.
Ele não está de certa forma restrito a uma comunidade
relativamnete pequena ( comunidade acadêmica, pequenas empresas, etc ) ?
A comunidade acadêmica é onde estão as pessoas que mais provavelmente vão
ajudar a disseminar mais os ideais do software livre e aquelas que têm maior
probablilidade de participar no desenvolvimento das tecnologias livres. Mas
isso não significa que o software livre não tenha potencial de abrangência
global, inclusive para a comunidade leiga. Quanto a empresas, não são só as
pequenas que se beneficiam do software livre. Temos hoje em dia muitas
empresas de grande porte adotando soluções livres para suas necessidades de
software e de independência tecnológica.
1 - Por que não usar software proprietário? Se eu tenho que pagar pela
tecnologia em todos os outros setores, por que não posso pagar por exemplo à
Microsoft para que desenvolva tecnologia em softwares? O sotware livre não
seria um desestímulo à produção de tecnologia? Se eu tenho que pagar à Intel
o processador que eu uso e pelo conhecimento que a empresa teve que gerar
para produzí-lo, por que não pagaria à uma empresa para que produza cada vez
softwares melhores, se eles me satisfazem? Você pode argumentar que o
mercado de softwares no mundo é altamente monopolizado pela Microsoft. Mas
esse é um problema econômico, uma falha de mercado, que pode ser resolvido
criando-se incentivos a novas empresas, etc etc.
A resposta para a 1.a pergunta já começou a ser dada, sem querer, ao
responder a primeira (e eu suspeitava disso quando optei por responder
primeiro a segunda :-) !!!)
Enquanto as respostas anteriores tiveram um forte embasamento de
pragmatismo, a pergunta 1 leva a uma resposta mais embasada em razões de
cunho social.
Por que não usar software proprietário?
Por que, como já foi dito antes, software propietário é software no qual o
conhecimento é negado às pessoas como forma de exercer poder sobre elas. Mas
é um conhecimento distinto daquele existente na fabricação de chips, pois, o
conhecimento do software é desvinculado da matéria e, portanto, passível de
ser assimilado e efetivado pelos indivíduos a custo marginal zero (não fosse
pela sua rivalização, por parte dos produtores de software proprietário)
Aceitar software proprietário equivale a aceitar controle sobre idéias e,
por tabela, sobre pessoas. Significa aceitar um modelo que cataliza de 2
comportamentos, ao menos um: ou o comportamento egoísta, ou o comportamento
de indiferença perante as leis.
Pra explicar melhor isso: quando alguém lhe provê um software proprietário
ele de fato está dizendo algo do tipo "ei! eu tenho um software bacana que
vai ser muito útil pra você. Mas você vai ter que aceitar a condição de não
dá-lo pra ninguém. É claro que isso não vai ser um problema pra vc, dado que
o programa é bem bacana. Você não quer mesmo esse programa...?"
Como toda essa coisa tem embasamento jurídico, caso vc resolva se aproveitar
do "colega" acima fazendo cópias não autorizadas do software dele, vc estará
de fato passando por cima dos tais mecanismos legais, induzindo, portanto,
um maior senso de indiferença quanto à legislação. Banaliza-se a infração.
Acredito que os dois possíveis comportamentos perante o software
proprietário: (1) ser egoísta e de fato não compartilhar com seus pares ou
(2) ser "esperto" e burlar a legislação vigente; precisam ser evitados pois
acarretam em sérias implicações em nosso senso ético e nosso comportamento
perante a sociedade.
por que não posso pagar por exemplo à
Microsoft para que desenvolva tecnologia em softwares?
Na verdade, você pode pagar sim. Não há nada de errado em pagar por algum
produto. O problema está em outra dimensão, não na financeira. De fato, os
produtores de conhecimento em TI têm altos investimentos em pesquisa e,
portanto, têm todo o direito de cobrarem o quanto acharem que é justo
cobrarem para compensar seus investimentos. Entretanto, considerando tudo o
que já foi dito neste email, acredito que estas práticas de produção de
conhecimento proprietário cada vez mais (conforme as pessoas forem tomando
consciencia dessas questões) se tornarão insustentáveis perante os modelos
de produção colaborativa que começaram a se destacar nas 2 ou 3 últimas
décadas, frequentemente mais eficientes em produção e mais preocupados com
tais valores éticos e de acesso público ao conhecimento.
O sotware livre não
seria um desestímulo à produção de tecnologia?
Pelo contrário, pelo caráter de mercado aberto que tentei te explicar no
começo do email o software livre acaba sendo terreno fértil para produção de
inovações tecnológicas.
Espero não ter sido muito enrolado nas minhas explicações. Caso você sinta
falta de alguma explicação melhor sobre algum ponto onde você ache que a
argumentação tenha ficado "furada" ou insuficiente de alguma forma, me dê
chance de saber disso e tentar aprimorar o argumento.
até logo, (e obrigado pela atenção, claro!)
Felipe "Juca" Sanches
PS: achei boas as suas perguntas, portanto, tomei a liberdade de copiar este
email de resposta a algumas listas de emails relevantes.
PS2: autorizo que a resposta deste email seja reproduzida à vontade (e
inclusive modificada) bastando referenciar meu nome. Ou seja,
"CreativeCommons Atribuição 3.0".
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