[PSL-Brasil] parlamento em busca do cale-se sagrado (lei dos
cibercrimes)
Pedro A.D.Rezende
prezende en unb.br
Sab Jul 26 19:08:07 UTC 2008
Alexandre Oliva escreveu:
> ] Pai, afasta de mim este cálice
...
>
> * o texto não fala absolutamente nada sobre vincular a informação do
> IP e do instante de conexão a um cliente específico do provedor. Acho
> que é por isso que os senadores são tão insistentes em dizer que isso
> não vai invadir a privacidade de ninguém. Se os provedores seguirem à
> risca o que diz o projeto de lei, a informação não vai servir para
> absolutamente nada. Qual a utilidade de saber que *alguém* (sujeito
> indeterminado) recebeu o IP 123.45.67.89 às 12:34 (UTC) do dia
> 11/11/11? Até parece que quem escreveu o projeto não tinha a menor
> idéia do que estava fazendo...
Nem tudo que parece, é.
Quem escreveu o projeto pode ter buscado adequar a ambivalência dos
dispositivos a um grau que fosse, por um lado, politicamente aceitável
para aprovação e, por outro, largo o suficiente para abrigar,
simultaneamente, interpretações segundo os interesses comunicáveis e
efeitos colaterais segundo os interesses motivadores da proposta.
Interesses estes que podem ser conflitantes, a julgar pela largueza
desta ambivalência, da qual os defensores da proposta não abriram mão ao
longo da tramitação até aqui. É assim que funciona o processo
legislativo em democracias representativas. E de forma desbragada sob o
fundamentalismo de mercado, onde "menos Estado" é a palavra de ordem
quando este atrapalha a concentrar capital, e mais quando ajuda.
Em relação à privacidade, muitos não estão vendo onde está o pulo do
gato. O tipo de controle de proteção para os dados que o inciso I do
art. 22 demanda sejam armazenados pelos provedores por tres anos, de
fato, não requer (como requeria em versões anteriores) que os usuários
desses provedores usem "certificados digitais", ou outro método de
"identificação positiva", para vincular tais dados a intenções imputáveis.
Porém, o tipo de controle de proteção sobre esses dados que o par. 1
deste inciso indiretamente demanda (a ser definido por regulamento), é
de mesma natureza que as soluções integradas de segurança para controle
de acesso aos bancos de dados de contas corrente de instituições
financeiras demandam.
Basta que o regulamento "a ser definido" (citado no par. 1) contenha
exigências seletivas, vinculantes, à guisa de "critérios técnicos" para
sua efícacia, consoante novas analogias (agora relativas a eficácia).
Regras de auditoria, por exemplo, são um campo fértil para a camuflagem
de tais exigências.
Creio que a partir da aprovação da lei, os interesses motivadores por
trás dela mudarão o filtro do discurso na grande mídia, para que a
discussão pública se dê sobre a eficácia técnica do tal regulamento, e
não mais sobre a eficácia jurídica da lei consoante ao interesse
comunicável para sua aprovação. Assim se deu com patentes de software.
Se, no combate ao crime digital, a lei não estiver sendo eficaz, exceto
pelo afrouxamento dos critérios de prova (da intenção de se fraudar para
a intenção de se "obter dados"), que se mexa no tal regulamento!. Os
dispositivos descartados de versões anteriores do PL, como a exigência
de uso certificado digital sob regime da ICP-BR, podem então voltar, via
regulamento. Desta vez, surdos à discussão não apenas sobre a eficácia
da lei, mas à da versão em curso do regulamento. Assim foi na
radicalização normativa que antecipou a ascensão do Nazismo.
>
> Será possível que os nobres parlamentares não têm noção de que o
> projeto de lei falha em seus objetivos declarados mais fundamentais e
> traz efeitos claramente indesejáveis para toda a população que
> deveriam representar?
>
Talvez eles vejam, mas esse não é o ponto. O ponto é que quem tem a
perder com esta falha não podem se assegurar que eles vêem, nem mostrar
essa falha (apenas especular sobre ela). Assim, a "inguenuidade" dos
parlamentares, mote de bravata em muitas das críticas, é para eles um
álibi poderoso. Eles podem ter aprendido a calibrá-la pelas reações
públicas às primeiras versões do substitutivo.
Os elos causais que produzem a falha só existe na proposta atual como
gancho (o regulamento), tornando inevitável o caráter especulativo de
sua exposição. Os interesses motivadores por trás da proposta atual
querem, naturalmente, aprová-la antes do regulamento, fragmentando as
possíveis críticas relativas a possíveis efeitos colaterais: Agora não
podemos discutir o regulamento (só especular), porque ele ainda não
existe; e quando ele existir não poderemos mais discutir a lei, pois ela
já estará em vigor depois de longuíssimos anos de "debate".
Um problema que vejo, para quem quer expor esta falha (efeitos
colaterais não cotejados com os alegados benefícios), é que essa técnica
legislativa, de delegar a um regulamento os detalhes de questões
tecnológicas afetas à lei, é de uso comum e amparada em princípios
jurídicos ortodoxos e consagrados.
Não que isso faça de tal prática legislativa uma prática sadia, ao
contrário, haja vista o que tem acontecido no Brasil com a privatização
da telefonia. Doutra feita, temos aqui um veio robusto para especular
com seriedade: com base nos frutos nocivos que esta estratégia
legislativa já propiciou, na esfera da privatização da telefonia, com a
penetração de interesses privados no aparelho do Estado, capitaneda pela
ascensão de Daniel Dantas. Em contrapartida, eles têm aqui seus motivos
para se aferrar no lobby por tal prática.
--
-------------------------------------------
prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende /\
Computacao - Universidade de Brasilia /__\
tcp: Libertatis quid superest digitis serva
http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.htm
-------------------------------------------
Más información sobre la lista de distribución Discusion