[Legales] Segundo rascunho/proposta de texto da FSFLA para a ADIn
3059
Alexandre Oliva
lxoliva en fsfla.org
Dom Mayo 14 04:56:01 UTC 2006
Dei uma boa mexida, com base em valiosas sugestões que recebi. Não
revisei o todo ainda com muito cuidado, mas já peguei algumas
passagens incompreensíveis. Deve haver outras, e feedback externo
para corrigir ajuda muito, pois (normalmente :-) eu *sei* o que eu
queria dizer em cada ponto, então pescar ambigüidades ou obscuridade é
mais difícil.
Segue o texto, acompanhado de patch em relação à versão que enviei
antes.
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Da preferência constitucional pelo Software Livre
v 0.2, 2006-05-14
Alexandre Oliva <lxoliva en fsfla.org>
Neste rascunho, ainda falo apenas por mim, embora já tenha começado a
incorporar sugestões de outros membros da FSFLA, e já tenha alguma
aprovação deles quanto ao conteúdo. A versão final não conterá este
parágrafo, e representará a opinião da FSFLA como um todo.
A Lei n° 11.871, de 19 de dezembro de 2002, ainda que não defina
Software Livre e o utilize como sinônimo de software aberto, ficou
conhecida como Lei do Software Livre. Cumpre à FSFLA -- Fundação
Software Livre América Latina, em processo de constituição na
República Argentina, unindo-se à rede de fundações formada por FSF --
Free Software Foundation dos Estados Unidos da América, FSFE -- Free
Software Foundation Europe e FSFI -- Free Software Foundation India,
manifestar-se a respeito de incorreções conceituais presentes na lei
no tocante ao significado de Software Livre, termo cunhado pela FSF,
que, assim como suas fundações irmãs, entre elas a FSFLA, tem como
objetivo promover e defender software licenciado sob esta modalidade.
Software Livre é uma questão de liberdade para seus usuários,
liberdade para executar, copiar, distribuir, estudar, modificar e
aperfeiçoar o software. São formas de liberdade inspiradas na idéia
de liberdade de expressão: não necessariamente liberdades ilimitadas,
mas liberdades com propósitos valiosos à sociedade e ao bem estar
comum. Admitem-se restrições a essas liberdades, ao contrário do que
faz entender a definição da lei, tais como restrições destinadas a
garantir as mesmas liberdades a terceiros, restrições que ofereçam
crédito aos autores dos programas e outras que não limitem na prática
o exercício das liberdades. Em particular, não se restringem o uso
comercial do software nem a comercialização de serviços de
desenvolvimento, distribuição, suporte, treinamento, entre outros.
É certo que a FSFLA não se posicione favoravelmente à lei, visto que
cria confusão e dúvidas a respeito dos termos Software Livre e
software aberto e, por causa da definição incompatível com a
justificativa da lei, torna-se inócua e, pior, iguala as categorias de
Software Livre e software proprietário, ainda que, conforme vamos
argumentar, a escolha do Software Livre atenda muito melhor aos
princípios constitucionais estabelecidos para a administração pública.
A liberdade de execução para qualquer propósito implica a não
necessidade de aquisição de novas licenças para cada novo computador,
contribuindo para a economicidade. Combinada com liberdade de
redistribuição, implica que um investimento único do poder público
pode favorecer a todos seus cidadãos, contribuindo para a eficiência.
A liberdade de estudar o software é essencial à soberania. A de
modificar o software é importante não só para a soberania mas,
combinada com a liberdade de distribuir o software, também para a
economicidade e para a impessoalidade, pois não fica o poder público à
mercê de um único fornecedor quando precisar de modificações ao
software, podendo contratar qualquer terceiro para executar o serviço
necessário, ao invés de se ver obrigado a favorecer repetida e
indefinidamente o fornecedor escolhido numa opção por software não
livre.
A seguir, detalha-se a definição de Software Livre, explica-se a
dinâmica do mercado de Software Livre e se demonstra, com auxílio
desses fundamentos, como a preferência pelo Software Livre é exigida
pela constituição.
Das definições
==============
Software Livre é definido pela FSF em seu sítio
(http://www.fsf.org/licensing/essays/free-sw.html), definição também
presente no sítio de seu maior projeto, o do Sistema Operacional GNU,
onde se encontra a tradução para português
(http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html) que se segue, também
presente no sítio da FSFLA (http://www.fsfla.org/?q=pt/node/17). A
seguir, sumarizamos a definição de Software Livre.
Software Livre
--------------
Entendemos que um software seja livre quando ele for licenciado
através de termos que concedam aos seus usuários todas as seguintes
liberdades:
- A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito
(liberdade nº 0).
- A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as
suas necessidades (liberdade nº 1). Acesso ao código fonte é um
pré-requisito para esta liberdade.
- A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao
seu próximo (liberdade nº 2).
- A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus
aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie
(liberdade nº 3). Acesso ao código fonte é um pré-requisito para esta
liberdade.
Por código fonte, refere-se ao software na forma preferencial para se
estudar e fazer modificações, escrita em linguagens de programação
compreensíveis para humanos, normalmente incluindo documentação
necessária à compreensão e manutenção do programa. Grande parte das
linguagens de programação exige a transformação dos programas para
outra forma, chamada de código objeto, mais apropriada para execução
eficiente, mas privada da documentação e da facilidade relativa de
compreensão presentes no código fonte.
Da mesma forma que a liberdade de expressão impõe certas restrições,
tais como a responsabilidade sobre o que se diz ou escreve, certas
restrições às liberdades são aceitáveis, quando contribuam para um bem
maior.
Por exemplo, exigir que um software ou versões modificadas dele sejam
distribuídas apenas sob a mesma licença que a versão original é uma
restrição aceitável e até desejável, pois é usada para garantir que
versões derivadas de um software sejam também livres. Diversas outras
restrições que têm como objetivo garantir as liberdades de terceiros
são aceitáveis.
Exigir que as notas de direito autoral não sejam removidas também é
uma restrição aceitável, não apenas para dar crédito aos autores do
software, mas também porque facilita auditoria sobre as origens do
software e não limita de fato nenhuma das liberdades. Outras
restrições que visam a dar crédito aos autores do software também são
aceitáveis.
Em geral, restrições podem ser aceitáveis se não limitarem de fato o
exercício das liberdades e/ou se visarem a um bem maior através da
restrição parcial das liberdades.
Software aberto, segundo a lei
------------------------------
É evidente que a definição de software aberto na lei é inspirada na
definição de Software Livre, ainda que o termo software aberto seja
comumente usado como tradução do termo Open Source Software, definido
em http://opensource.org/docs/definition.php de forma extremamente
diferente, ainda que se entenda que este tenha significado semelhante,
porém não idêntico, ao de Software Livre. Software aberto, como
definido na lei, não corresponde a qualquer das duas definições.
Nota-se que a lei deixa de definir Software Livre, mas não deixa de
utilizar o termo, criando a dúvida se pretende que se o entenda como
sinônimo de software aberto, conforme a definição na lei, ou de acordo
com sua definição pela FSF.
Em certas passagens da lei parece ser a intenção o uso dos termos como
sinônimos; em outras, parece-se tentar fazer distinção entre os temos,
como no Artigo 3º, II, que diz "programa livre e/ou código de fonte
aberto", termos comumente utilizados como sinônimos para Software
Livre e para software aberto, respectivamente.
O uso de tantos termos distintos e bem definidos na comunidade de
software com aparente intenção de sinonímia na lei representa um risco
teórico de que, sendo criada uma licença que atenda a uma das
definições, mas não a ambas, seja estabelecido um vácuo legal em que
não seja possível justificar a preferência ou a não preferência por
software licenciado sob tais termos.
De toda forma, o restante da discussão se aplica tanto a software que
atende à definição de Software Livre quanto a software que atende à
definição comumente utilizada para Software de Código [Fonte] Aberto,
tal a semelhança entre os significados dos dois termos. Por preferir
ressaltar as liberdades à mera disponibilidade do código fonte, damos
preferência ao primeiro e mais antigo termo no restante do texto, mas
compreenda-se que os argumentos se aplicam a ambos, mas não à
definição presente na lei.
Sobre restrições
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A lei falha mais gravemente, porém, ao exigir que a licença "não
restrinja sob nenhum aspecto da cessão, distribuição, utilização ou
alteração de suas características originais", condição que reduz a
quantidade de softwares licenciados em termos compatíveis à definição
da lei a praticamente zero. Mesmo as licenças mais liberais de
Software Livre, tais como a licença do X11, do MIT e a BSD revisada,
exigem ao menos a preservação das linhas de Copyright, restando apenas
a possibilidade teórica de licenças tão liberais que não imponham
qualquer restrição, ou o uso de software que já tenha caído em domínio
público e tenha seu código fonte disponível.
Como a lei 9609/98 estabelece que direito autoral sobre software
vigora por 50 anos e software existe há pouco mais que isso, faz
sentido supor que a lei não se tenha escrito com objetivo de que o
poder público privilegiasse a minúscula quantidade de software
desenvolvida nos primórdios da computação eletrônica, em detrimento de
toda a indústria de software que floresceu desde então.
Cremos, baseados na justificativa apresentada quando se propôs a lei,
que faça mais sentido entender que houve falha na redação da definição
de software aberto na lei, e portanto contestamos a definição presente
na lei, em desacordo com o uso comum do termo e com a definição comum
do termo Software Livre à qual tanto se assemelha, e sugerimos a
interpretação do termo presente na lei através do significado na
definição de Software Livre.
Software Livre e comércio
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Antes de proceder à argumentação sobre a obrigação constitucional de
dar preferência ao Software Livre, cabe esclarecer uma dúvida comum no
tocante à viabilidade econômica do Software Livre.
Entende-se por software comercial aquele desenvolvido com propósito de
lucro. Negócios baseados no comércio de licenças de software são
bastante comuns, porém mais comuns ainda são os negócios baseados em
serviços associados ao software. A imensa maioria do software
desenvolvido no Brasil e no mundo não é software de prateleira, mas
sim software desenvolvido especificamente para um determinado usuário.
Em alguns casos, quem desenvolve o software é o próprio usuário; em
outros, o usuário contrata um prestador de serviços para
desenvolvê-lo, negociando quem manterá a titularidade dos direitos
autorais sobre o software resultante. Caso a titularidade permaneça
com o desenvolvedor, faz-se necessária a escolha de termos de
licenciamento para que o contratante possa fazer uso do software,
conforme artigo 9º da lei 9609/98.
Nada impede que o desenvolvedor eleja termos compatíveis com a
definição de Software Livre para sua licença, e mesmo assim exija
remuneração pelos serviços de desenvolvimento, controle de qualidade,
empacotamento, distribuição que prestou, assim como pela oferta de
garantia que venha a oferecer.
Cabe responder ao freqüente argumento falacioso de que Software Livre
não ofereça garantias: software proprietário normalmente oferece
garantia apenas sobre a mídia em que o software é distribuído, e não
sobre o comportamento do software. Para garantias sobre o
comportamento, também denominadas serviço de suporte, faz-se
necessário contratar tais serviços separadamente.
Da mesma forma que para o software específico, quem desenvolve
software com finalidade de oferecê-lo a um mercado maior, licenciando
inúmeras cópias do software a múltiplos compradores de licenças, pode
eleger termos compatíveis com a definição de Software Livre para o
licenciamento.
Ainda que licenças de Software Livre exijam a ausência de ônus para o
exercício das liberdades por ela concedidas, dentre elas a de copiar e
distribuir o software, com ou sem modificação, o titular do direito
autoral, não estando sujeito às restrições da licença, pode exigir
remuneração não só pelos serviços de cópia e distribuição, mas também
pelo próprio ato do licenciamento do software a seus clientes.
Conquanto permita a qualquer de seus clientes a distribuição do
software a terceiros, licenciando-lhes o software sem ônus, não há
violação dos preceitos do Software Livre.
Concluímos daí que não há óbice ao lucro mediante licenciamento
através de termos compatíveis com a definição de Software Livre. Pelo
contrário, a definição foi criada de modo a estimular o livre comércio,
não necessariamente de licenças, mas de serviços de desenvolvimento,
suporte, treinamento, adaptação, entre outros.
De fato, enquanto o software proprietário fomenta um livre comércio
somente até o momento em que um usuário opta por uma determinada
alternativa, entrando a partir daí num monopólio em que depende
exclusivamente do fornecedor escolhido para obter eventuais adaptações
ou correções necessárias ao software.
No caso do software livre, não só o fornecimento do software está
sujeito à livre concorrência, mas também o fornecimento de suporte,
incluindo nele adaptações ou correções.
Tal concorrência só é possível por ser o usuário livre para distribuir
o software na forma de código fonte para um eventual candidato a
concorrente de seu fornecedor original, ato que concede ao potencial
concorrente as liberdades de estudar e modificar o software e de
distribuir o resultado das modificações de volta ao usuário. Nada na
definição de Software Livre impede o concorrente de ser remunerado por
esses serviços.
Estabelece-se assim a livre concorrência em torno de um mesmo
software, prevalecendo os concorrentes que ofertarem a seus clientes a
melhor relação custo/benefício, sendo o usuário livre para trocar de
fornecedor ou contratar funcionários para suporte interno, sem receio
de ter de arcar com custos e dificuldades de migração para softwares
não completamente compatíveis, que no caso do software proprietário
muitas vezes envolvem a necessidade de conversão entre formatos de
arquivos proprietários não documentados.
Da preferência consitucional pelo Software Livre
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Através dos princípios da economicidade, eficiência, transparência,
soberania e impessoalidade, que a constituição estabelece para a
administração pública, vamos argumentar que a constituição já exige a
preferência pelo Software Livre.
Economicidade e eficiência
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A liberdade nº 0 do Software Livre, que permite a execução do software
para qualquer propósito, não dá margem à prática de cobrança de
licenças por computador, por processador, ou por unidade
administrativa, tão comuns aos software proprietário. Como
conseqüência, não se faz necessário ao poder público proceder a
licitações a cada vez que se fizer necessário utilizar o software em
novos computadores. A economicidade e a eficiência não são atendidas
apenas pela ausência de ônus pelo licenciamento múltiplo: a própria
necessidade de licitação para o licenciamento é normalmente
dispensável para o Software Livre, já que a licença pode
freqüentemente ser obtida sem ônus, dispensando o processo licitatório
para a aquisição das licenças.
Some-se a isso a liberdade nº 2 do Software Livre, que permite ao
poder público distribuir o Software Livre licenciado para todos os
seus cidadãos, contribuindo para a melhor de sua qualidade de vida, e
outros órgãos de outras esferas do poder público, e a eficiência de
investimentos no sentido de obter Software Livre mostra-se muito maior
que a de licenciar software proprietário, mesmo nos casos em que o
investimento necessário para se obter uma licença de um Software Livre
possa ser maior.
Soberania
---------
A liberdade nº 1 do Software Livre, que permite o estudo do
funcionamento do software, é essencial para garantir a soberania do
poder público. Na ausência do código fonte, faz-se impossível
verificar que o software proprietário faça o que se propõe a fazer,
nem mais nem menos: fica-se completamente à mercê de abusos que
fornecedores possam escolher cometer, por decisão própria ou
exigências de governos estrangeiros, confiando na dificuldade de
detecção de desvios. Com a possibilidade de inspecionar o código
fonte e, mais do que isso, de executar código objeto criado a partir
do código fonte inspecionado, reduz-se o risco de tais abusos, já que
a dificuldade de detecção cai.
Transparência
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A liberdade nº 1 (estudo), associada à liberdade nº 2
(redistribuição), garante a transparência, na medida em que permite ao
poder público distribuir o software, na forma de código fonte e
objeto, a qualquer cidadão que o solicite.
Economicidade e Soberania
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Outra faceta da liberdade nº 1, que concede liberdade para adaptar o
software, é essencial para a economicidade e a soberania.
Utilizando-se software proprietário, se o fornecedor se recusa a
efetuar uma adaptação necessária ao poder público, o único recurso
passa a ser a contratação do desenvolvimento de um novo software que
contemple as necessidades, possivelmente desperdiçando todo o
investimento já feito no software anterior. No caso do Software
Livre, o poder público pode efetuar a adaptação internamente, ou se
valer da liberdade nº 2 para contratar os serviços de adaptação de
terceiros, preservando o investimento anterior.
Para preservar os princípios constitucionais discutidos anteriormente
em face da possibilidade de alteração do software pelo próprio poder
público, faz-se necessária, em adição à liberdade nº 1 (adaptação) e 2
(redistribuição), a nº 3 (distribuição de aperfeiçoamentos), do
contrário não seria possível distribuir o software modificado.
Software Público Livre
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Embora não seja tema tratado pelas leis em questão, vale mencionar que
a distribuição de software por parte do poder público também deveria
se dar, via de regra, na forma de Software Livre, não só para atender
ao princípio da transparência, mas também da economicidade, permitindo
que pessoas físicas e jurídicas contribuam voluntariamente para o
melhoramento do software, dispensando o poder público de pelo menos
parte dos investimentos necessários a satisfazer as próprias
necessidades, assim como as dos cidadãos. Argumentos de que tal
licenciamento, se oferecido sem ônus a toda pessoa física e jurídica,
representaria improbidade administrativa ou favorecimento indevido,
não nos parecem razoáveis, já que a impessoalidade não é violada
quando a todas as pessoas físicas e jurídicas é ofertada a mesma
possibilidade de lucro.
Impessoalidade
--------------
A combinação das liberdades nº 1 (adaptação) e nº 2 (redistribuição),
no que tange à possibilidade de modificações do software pelo próprio
poder público ou por terceiros, é justamente o que favorece o Software
Livre no que diz respeito ao princípio da impessoalidade.
Quando o poder público adquire software proprietário, não só se coloca
à mercê do fornecedor no que diz respeito a serviços de
desenvolvimento de adaptações, mas também ao suporte num sentido mais
amplo, ou seja, a decisão por licenciamento de um software
proprietário implica um favorecimento ao fornecedor em quaisquer
serviços de suporte subseqüentes relacionados ao software.
Justificativas de padronização de adoção do software também favorecem
ao mesmo fornecedor, um favorecimento incompatível com a
impessoalidade que se exige do poder público.
A adoção de Software Livre pelo poder público, por outro lado, permite
que, a cada serviço que se faça necessário relacionado ao software,
tome-se uma decisão sobre qual fornecedor contratar para prestá-lo.
Qualquer pessoa física ou jurídica pode se qualificar para prestar o
serviço, independendo de autorização do fornecedor original para ter
acesso ao código fonte que viabiliza a manutenção e a aquisição de
conhecimento sobre o software. É o máximo respeito à impessoalidade.
Alegações de que a preferência pelo Software Livre violam a
impessoalidade são falaciosas, baseadas na premissa falsa de que a
possibilidade de licenciamento em termos que respeitem as liberdades
de seus usuários não estão disponíveis para determinados fornecedores
de software. Pelo contrário, qualquer fornecedor que tenha se
colocado em situação que o impossibilite de oferecer seu software em
licença livre, tais como o uso de software proprietário de terceiros
como parte de seu software, o fez de livre e espontânea vontade,
ciente de que essa restrição seria um fator limitante para seus
clientes e para si mesmo, não restando argumento razoável contra a
preferência pelo Software Livre implícita na constituição.
Das leis que codificam preferência ao Software Livre
====================================================
Como demonstramos, a constituição estabelece princípios para a
administração pública que conduzem à escolha do Software Livre.
Há de se concordar que, ainda que a evidência seja clara uma vez
formalizados os argumentos, a compreensão da mecânica do Software
Livre não é facilmente acessível a mentes treinadas para um mercado
baseado no modelo de licenciamento proprietário.
Esse é o contexto em que surgem leis como a do RS, propostas por
alguns poucos que compreenderam a dimensão da violação constitucional
em andamento e buscaram, através de uma formalização mais direta dos
pensamentos aqui expostos, corrigir essa distorção e colocar o poder
público, pelo menos nas esferas a que tinham acesso, em cumprimento
dos princípios constitucionais.
Ainda que muitas dessas leis tenham cometido o mesmo erro de definição
que a lei do RS de que trata este processo, praticamente anulando seus
efeitos jurídicos, serviram e servem ao propósito de nortear as
decisões de aquisição de software por parte das diversas esferas do
poder público a que se aplicam, mesmo porque muitos dos tomadores de
tais decisões não atentaram para o erro da definição e/ou seguiram o
espírito das leis, já que a letra equivocada das leis as tornava
inoperantes.
Tais leis, da forma como vêm definindo a classe de software que
pretendem que seja Software Livre, não nos parecem compatíveis com os
preceitos constitucionais para a administração pública, cabendo
portanto argumentação sobre sua constitucionalidade.
Se, por outro lado, utilizassem a definição correta, com os argumentos
aqui expostos, parece-nos que seria difícil argumentar contra sua
constitucionalidade, visto que apenas codificariam de forma mais
imediata o que a constituição já codifica de forma indireta.
Sugerimos e pedimos, pois, aos poderes capazes de corrigir ou revisar
tais leis a fim de utilizar uma definição correta, que o façam. Segue
nossa sugestão de redação:
Entende-se por Software Livre aquele licenciado em termos que
ofereçam acesso ao seu código fonte e permitam usá-lo para qualquer
propósito, estudá-lo, adaptá-lo e distribuí-lo, com ou sem
modificações, pelo menos nos mesmos termos em que se o recebeu,
podendo-se permitir adicionalmente a distribuição em outros termos.
Admitem-se restrições a essas permissões com propósito de garantir a
oferta das mesmas liberdades a terceiros, por exemplo, a exigência
de que qualquer distribuição seja feita somente nos mesmos termos;
com propósito de preservar os créditos dos autores, por exemplo, a
exigência de preservação das notas de copyright; e outras restrições
que não afetem de maneira significativa o exercício efetivo dessas
permissões, por exemplo a exigência de presença de uma determinada
sentença em material de divulgação ou anúncios publicitários de
software derivado do original.
Entende-se por código fonte de um software a forma ideal para se
estudar e fazer modificações ao software, incluindo a documentação
normalmente presente em código fonte. No caso de software em forma
de código objeto, entende-se por seu código fonte todo o código
fonte de todos os módulos que ele contém, arquivos de definições de
interface a eles associados, arquivos usados para controlar a
compilação e instalação do código objeto, enfim, tudo que houver
sido necessário à geração do código objeto, partindo-se desse código
fonte e de componentes normalmente distribuídos como parte do
sistema operacional para o qual o código objeto foi criado.
Até que tais correções ocorram, nos posicionaremos publicamente de
forma contrária à lei, já que nos desagrada profundamente a definição
equivocada que pretendia ser de Software Livre, ainda que utilize o
termo similar e menos apropriado software aberto. Compreendemos,
porém, que nosso desagrado obviamente não serve como argumento para
considerar a lei inconstitucional: a má redação, ainda que não
codifique a preferência implícita na constituição, também não a
contraria.
Enquanto o espírito da lei for seguido, ainda que sua letra seja
inócua, a lei servirá ao bem comum, trazendo grandes economias aos
cofres públicos, quando não no curtíssimo prazo, em função de custos
de migração potencialmente altos, certamente no longo prazo, em que se
sobressaem as vantagens da livre concorrência para prestação de
serviços e do custo zero para licenças adicionais.. Em se tratando de
Direito Econômico, entendemos que caibam deliberações sobre tais
escolhas aos poderes legislativos não só da união, mas também de
estados e de municípios.
Argumentamos, pois, que a lei seja constitucional, ainda que seu
efeito jurídico seja praticamente inexistente.
Alexandre Oliva
Secretário
Fundação Software Livre América Latina
A cópia fiel, exata e completa do conteúdo deste documento é permitida
em qualquer meio, desde que esta nota seja preservada.
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