problemas na versão de Testes do IRPF-2010
Alexandre Oliva
lxoliva en fsfla.org
Jue Ene 7 22:26:28 UTC 2010
Como venho fazendo todos os anos, resolvi tentar ajudar a que a versão
final do IRPF-2010 seja um programa ainda mais robusto. Está difícil.
Primeiro, porque a única versão disponível em
http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaFisica/IRPF/2010/PGDJava/ProgramaIrpf2010VersaoTeste.htm
é um programa exclusivamente para Windows. Será que não dá pra publicar
uma versão multi-plataforma, como noutras oportunidades? Desse jeito, o
tempo curtíssimo para encontrar e encaminhar problemas fica ainda mais
curto, pois preciso solicitar a alguém que tenha o Windows que faça a
instalação e me mande a versão Java instalada.
Segundo, ao que tudo indica, continua faltando o código fonte. Qualquer
profissional em computação entende que isso limita profundamente os
testes que alguém pode fazer sobre um programa. As possibilidades ficam
restritas aos testes chamados de caixa preta, além de praticamente
inviabilizar testes automatizados, dada a dificuldade de utilizar
ferramentas de controle, inspeção, injeção de valores, cobertura de
código e tantas outras técnicas de engenharia de software.
Claro que, por ser o programa em Java, compilado para uma máquina
virtual de alto nível, há como contornar em parte algumas dessas
limitações. Noutros anos, não foi difícil descompilar o programa Java,
apesar do ofuscamento, a ponto de poder compará-lo com versões de anos
anteriores e atualizar o IRPF-Livre, que venho publicando há alguns
anos, baseado em versões anteriores também descompiladas. Imagino que
neste ano não vá ser diferente.
Mesmo assim, embora o código resultante da descompilação seja útil para
atualizar o IRPF-Livre e para verificar algumas condições simples, não é
adequado para o uso de ferramentas avançadas de testes, porque os
binários publicados passam por um processo de ofuscamento, que serve
para pouco além de dificultar os testes. Que outro propósito haveria em
esconder o código que supostamente implementa nada além de operações
aritméticas e instruções especificadas em lei?
A prática de publicar a versão de testes dessa forma é tão ineficaz
quanto a sessão aberta de testes da urna eletrônica promovida pelo TSE:
enquanto um finge que deixa quem quiser tentar encontrar erros (desde
que não use nenhuma das ferramentas avançadas para encontrar erros), os
demais fingem que não há problema algum, pois os problemas complicados
dificilmente seriam encontrados sem essas ferramentas.
Entendo que haja receios a respeito da publicação do código fonte do PGD
do IRPF. Sei que é uma decisão fundada não em questões técnicas, mas em
medos irracionais. Os desenvolvedores do programa, assim como qualquer
pessoa minimamente capacitada em tecnologia e segurança de informação,
compreende que manter segredo a respeito de como funciona um programa
não é empecilho para que alguém descubra como burlá-lo, ou mesmo de
descobrir exatamente como ele funciona, vide o IRPF-Livre e suas
atualizações baseadas em descompilação do IRPF.
Sabem também que a segurança do processo advém não do segredo, mas da
robustez da solução. Desenvolvedores do IRPF, com quem tenho mantido
contato direto e indireto nos últimos anos, afirmam que não há risco
técnico algum para a publicação de seu código fonte.
Receios manifestados por burocratas de que alguém modifique o programa e
faça com que pessoas o utilizem são manifestações de ingenuidade e de
desconhecimento tećnico dos processos de segurança computacional.
Um dos argumentos é que alguém poderia modificar o programa a fim de
coletar informação e enviá-la indevidamente a terceiros, ou a fim de
induzir terceiros ingênuos a instalar código malicioso escondido nas
versões modificadas em seus computadores.
Qualquer um que entenda minimamente de segurança esperaria que, para
usar o programa da RFB, usuário deveriam baixá-lo da RFB, através de
conexão segura. Se a RFB se preocupasse com esse aspecto, deveria de
fato induzir ao uso de conexões seguras (ao contrário do que faz hoje),
e deveri deveria publicar assinaturas digitais do programa, que
permitiriam verificar sua origem última mesmo quando obtido de outras
fontes indiretas.
Mas infelizmente a grande maioria não entende minimamente de segurança,
tanto dentro quanto fora da RFB. Baixam programas de qualquer lugar,
acreditam em e-mails que recebem falando para baixar um programa
qualquer para corrigir a situação fiscal ou para responder a uma ordem
judicial, e por aí val.
A falha do argumento é que a publicação do código fonte tornaria as
vítimas desses golpes mais vulneráveis.
Se alguém quisesse fazer um programa que se parecesse com o da IRPF, a
ponto de enganar alguém, poderia fazê-lo com relativa facilidade. Mais
fácil ainda seria empacotar um programa puramente malicioso e
distribuí-lo apenas afirmando ser o IRPF da RFB. Não é necessário
acesso ao código fonte do programa da Receita Federal para fazê-lo. Não
fica nem mais difícil.
Também não precisa do código fonte para adulterar o programa. Eu mesmo,
alterando apenas um byte do binário do programa distribuído pela RFB,
consegui que ele calculasse o imposto devido como zero. (Não seria mais
difícil adulterar o trecho que grava a declaração para que a “grave”
também num servidor na Internet, sem que o usuário sequer perceba, se
não monitorar cuidadosamente suas conexões de Internet.) Achei por bem
não publicar qual byte alterar, pois o resultado seria apenas surpresa
desagradável para quem tentasse levar vantagem com isso. Supor que isso
não seria detectado é, novamente, ingenuidade sobre os processos. Se
houver dúvida sobre a facilidade de fazer essas coisas, disponho-me a
publicar os procedimentos, ou até mesmo as versões assim adulteradas.
Se o sistema de recepção e processamento de declarações fosse vulnerável
a ponto de aceitar declarações resultantes de programas assim
adulterados, profissionais do crime já estariam se valendo desse tipo de
subterfúgio. Técnicos responsáveis pelo desenvolvimento desse sistema,
que têm o conhecimento para avaliar a situação, entendem esse risco, e
portanto verificam que os resultados de cálculos incluídos na declaração
entregue são coerentes com a legislação, ao invés de confiar cegamente
no que se recebe do contribuinte, da mesma forma que se faria com uma
declaração em papel.
Resulta daí que não há risco em expor o código fonte do programa, nem
mesmo em permitir modificações. Seria, de fato, muito saudável
permiti-las. Alguém poderia melhorar o programa, a fim de aconselhar o
contribuinte, por exemplo, sobre fazer a declaração conjunta ou
separada. Ou facilitar a entrada de dados para aqueles que preenchem
dúzias ou centenas de declarações para seus clientes. Não há razão, nem
faz sentido, nem é permitido por lei que algo desenvolvido com recursos
públicos não seja público, não seja fiscalizável pelo público que pagou
pelo desenvolvimento, à exceção de algumas questões não relacionadas, de
privacidade e de segurança nacional, como estabelece a lei 11.111.
De fato, há mais apoio legal para que seja público, como por exemplo a
Instrução Normativa #4 da SLTI, que regula o desenvolvimento, a
contratação e a publicação de software por agentes da administração
pública direta, como a Receita Federal. Dentre as estipulações, consta
a de publicar o programa como Software Livre, no Portal do Software
Público Brasileiro, uma referência internacional no compartilhamento de
soluções de software entre administrações públicas, e também os públicos
aos quais as administrações públicas servem, ou deveriam servir. A RFB,
ao deixar de cumprir essa Instrução Normativa, em vigor já há um ano,
destoa da opção pelo Software Livre, que respeita seus usuários, tanto
do Governo Federal quanto da empresa que desenvolve esse programa.
Entendo que a decisão de descumprir a lei não seja uma decisão técnica,
mas burocrática, e imagino que este canal espere relatórios de problemas
técnicos. Lamentavelmente, estes ficam praticamente inviabilizados
pelas decisões burocráticas. Espero que essa inviabilização não seja
intencional, e que esta mensagem seja encaminhada aos que possam
reverter essa decisão infeliz, a fim de que cidadãos possam ajudar a
versão de testes a cumprir seu propósito, e a que a versão final
respeite os cidadãos, a lei vigente aplicável à administração pública e
a Constituição Federal de 1988, inclusive os princípios constitucionais
impostos à administração pública.
--
Alexandre Oliva, freedom fighter http://FSFLA.org/~lxoliva/
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