Sabe aquele artigo do Richard Stallman, o direito de ler, publicado nas Communications da ACM de fevereiro de 1997? Pois não é que o dejeto do cibercriminoso, recentemente aprovado no Senado e agora novamente em discussão na Câmara, introduz medidas na mesma linha, inclusive para livros convencionais, inviabilizando as bibliotecas públicas. Sem dúvida, será um enorme passo para a educação no Brasil! Passo para trás, claro.
O dejeto de lei define, em seu artigo 16, que um folha de papel com dados nela impressos constituem tanto um dispositivo de comunicação quanto um sistema informatizado. Define ainda, no mesmo artigo, que um conjunto de dispositivos de comunicação e sistemas informatizados, que obedece a um conjunto de regras, parâmetros, códigos, formatos e outras informações, através dos quais é possível trocar dados e informações. Um livro, enquanto conjunto de folhas de papel com dados impressos, aderindo às regras e formatos de tipografia, e servindo à troca de dados e informações, é portanto uma rede de computadores. (Alguém mencionou antes que o projeto era amplo demais?
Pois bem... Diz o dejeto, no artigo que propõe introduzir no código penal, com número 285-B:
Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a pena é aumentada de um terço.
Ou seja, a partir de agora, para ler um livro, ou para emprestá-lo a outrem, vai ser necessária permissão de seu legítimo titular.
Pior: a obra nele impressa não é vendida, é licenciada. O legítimo titular não é quem "comprou o livro", pagando pela cópia da obra, mas sim quem detém os direitos editoriais, que a lei prefere ainda chamar de direitos autorais, como se ela não houvesse sido usurpada por interesses que pouca relação guardam com a intenção original do direito autoral.
Imagine agora uma biblioteca pública, ou um leitor qualquer que queira exercer seus direitos de ler a cópia da obra a que tem acesso, e de emprestá-la a seus amigos.
Basta que haja expressa restrição de acesso no livro, junto com a nota de copyright e a declaração de "todos os direitos reservados", para que o livro não possa mais ser emprestado ou mesmo lido sem antes aceitar termos à escolha do titular dos direitos editoriais.
Isso concede muitíssimo mais poder aos autoriterroristas do que a lei hoje proporciona, sem qualquer razão social para justificá-lo. Poderão acabar com as bibliotecas públicas! Nossa sociedade precisa rejeitar esse roubo!
Até blogo...