Hoje aconteceu uma história curiosa.
Tirei o dia para a peregrinação anual pelos bancos que não me deixam mais acessar o Informe de Rendimentos por meios digitais, porque me recuso a instalar programas espiões no computador e não carrego uma tornozeleira eletrônica de bolso. Essa parte do dia foi menos estressante que eu esperava, tive oportunidades de levantar as questões de abuso tecnológico através de programas, plataformas e dispositivos feitos para controlar em vez de servir aos usuários, mas me desanima o prospecto de ter de digitar todos esses dados em vez de copiar, colar e reformatar mecanicamente para o formato do IRPF-Livre.
Minha simpatia e minhas condolências aos operadores profissionais, assim como aos amadores (ou odiadores?), dos programas privativos de liberdade da Receita. Todos eles estão condenados a morrer lentamente de lesão de esforço repetitivo, por uso excessivo do mouse, ou de torcicolo, por uso excessivo de dispositivos móveis, pra tarefas que poderiam e deveriam ser automatizadas e controláveis por meios muitíssimo mais ergonômicos que mouse ou móvel.
Mas estou fugindo ao tema, o pôste não era sobre isso.
O programa da noite era levar a netinha pra jantar no meu restaurante favorito (Solar do Gaúcho, há décadas recomendo muito :-), enquanto a filha e seu companheiro prestigiariam um amigo aniversariante num local sem espaço kids nem opções de comida sem gluten. Seria ótimo pra relaxar depois de um dia que eu previa estressantíssimo.
O plano era a filha se "abastecer" num café e numa sorveteria próximos ao local da festa e do restaurante, levar um waffle de pão de queijo pra viagem, pra ter o que comer na festa, e depois iríamos deixá-los na festa e ir jantar.
Como eu não pretendia comer nem no café nem na sorveteria, planejei ir até uma óptica/relojoaria nas redondezas, pra tentar recolocar uma das lentes dos meu par de óculos titulares (caiu há algumas semanas, tenho usado os antigos, que mantinha como reservas) e pra trocar a bateria de um relógio de pulso que pretendo levar na viagem pra palestrar no LibrePlanet, daqui a alguns dias.
Fomos no carro da minha companheira, que é mais confortável. Deixei o pessoal no café e fui à óptica/relojoaria. Era quase noite, a pessoa que fazia o serviço já tinha ido embora, mas eu poderia deixar as coisas e buscar, com o serviço completo, no dia seguinte. Bom, mas também uma pena, com tanta coisa que ainda tenho pra fazer antes da viagem: eu tinha planejado passar lá mais cedo e já teria resolvido tudo, mas a peregrinação nos bancos demorou demais e precisei voltar pra casa pra me reabastecer e recuperar. Por causa disso, na hora de sair, precisei tirar os óculos e relógio do meu carro, e acrescentei mais uma tarefa à minha lista de coisas pra fazer amanhã.
Combinada a retirada dos óculos e do relógio pro dia seguinte, voltei ao carro, estacionado numa das vagas da própria loja, tirei a chave com o controle do alarme do blso, mas não consegui desativar o alarme. O carro não respondia mais aos botões.
Primeiro, o choque: a bateria do controle do alarme, sobre a qual minha companheira tanto se preocupa porque a netinha adora apertar o botão pra trancar e destrancar o carro, finalmente arriou.
Depois, a percepção de que a bateria não poderia ter acabado em local melhor: eu estava justamente na frente de uma loja que vendia esse tipo de baterias. Voltei, pedi socorro, a funcionária lamentou que a pessoa que faz a troca das baterias não estava mais, mas ela se dispôs a me ajudar.
Nos batemos pra abrir o controle, mesmo com as ferramentas adequadas que ela encontrou. Descobrimos o tipo de bateria, ela procurou no estoque, procurou, procurou, ufa!, achou. Trocamos a bateria, viramos a bateria, tentamos outra, mas nada de o carro destravar
Eu até podia usar a chave, mas não sabia nem se havia como desligar o alarme, e sem desligar o alarme não adiantaria abrir: o combustível estaria bloqueado, só ficaria fazendo barulho na frente da loja, perturbando a paz da pessoa que me havia atendido tão solicitamente e da vizinhança.
Expliquei que não era meu carro, que eu não tinha celular pra ligar pra dona pra ver se ela tinha o controle reserva, ela prontamente me ofereceu o terminal telefõnico da loja pra eu ligar. Liguei pra companheira, liguei pra filha, mas nenhuma delas atendeu a chamada de um número estranho.
Felizmente não estavam longe. Deixei o carro na frente da loja, que ainda ficaria aberta por algum tempo, e saí caminhando em direção ao café. Eram apenas 6 quarteirões, planos, nada muito diferente dos passeios que faço com a netinha no cangote.
Enquanto caminhava, os cenários de pesadelo iam passando em minha cabeça: e se o problema foi a bateria do carro? Vamos ter que acionar o guincho do seguro e vai estragar os planos da noite. Ou será que eu volto pra casa pra buscar o outro carro, e depois a gente vê como resgata o carro parado? Ou será que a chave reserva está com ela e eu vou poder caminhar de volta e buscar o carro sem estragar os planos? Puxa, mas e se eu chegar em casa e tiver o imenso azar de o controle do meu carro também resolver não funcionar mais? Bom, eu sei exatamente onde está a chave reserva do meu, quais as chances de ela também não funcionar? Não, não seria possível tanto azar assim, seria? Não, nem precisa pegar o reserva, o controle titular do alarme do meu carro já vai funcionar. É só chegar em casa e pegar. Err, na verdade nem precisa, ele está aqui no meu bolso, posso até testar aqui mesmo.
Parei de caminhar após 5 das 6 quadras. Pus a mão no bolso. Olhei pro controle que saiu do bolso na minha mão. Sim, era aquele mesmo, o controle que não havia aberto o carro mesmo após a troca da bateria, perfeitamente familiar aos meus olhos e ao meu tato. Pus novamente a mão no bolso e de lá tirei o outro controle. Diferente esse outro né? Não era o que eu estava acostumado a tirar do bolso pra abrir o meu carro. Mas era o que teria aberto o carro da minha companheira, se houvesse calhado de vir na minha mão quando procurei o controle no bolso. O que teve a bateria trocada não tinha a menor chance.
Fiz a volta, caminhei as 5 quadras de volta quase saltitante de alegria porque os pesadelos que eu havia acabado de imaginar não haveriam de se realizar, porque se eu usasse o controle certo, o carro haveria de abrir, como de fato abriu. Cheguei bem a tempo de encontrar a atendente saindo da loja já fechada e contar a explicação.
Dei a partida, encontrei a família já chegando à sorveteria, contei a aventura, aprendi que bastaria ter usado a chave pra dar a partida que desligaria o alarme. Acabei tomando um sorvete porque o estresse tinha me consumido demais. Depois deixamos o pessoal na festa e fomos jantar. Foi uma delícia. Aliás, foram várias, me esbaldei como sempre acontece comigo nesse restaurante. A netinha se divertiu e fez amiguinhos no brinquedão.
Chegada a hora, voltamos pro carro, fomos buscar os pais da netinha, voltamos pra casa, estacionei mal, fiquei pra trás enquanto o pessoal já subia pro apartamento, arrumei o carro mais certinho na vaga, saí, fechei a porta, apertei o botão do controle e... nada.
-- Não, de novo não -- pensei, como se fosse um vaso de petúnias num livro de Douglas Adams (não vou dar spoiler, mas esse gancho é resolvido de forma surpreendente noutro livro da série), ou o eu lírico de uma letra de música do Roupa Nova.
Antes de entrar novamente em pânico, verifiquei as portas, encontrei uma delas mal fechada. Fechei direito, aí o botão do controle fez o carro trancar. Ufa!
Só esqueci de testar o controle do meu carro quando passei por ele a caminho do apartamento. A atendente me alertou que alguns controles precisam ser reprogramados após trocar a bateria.
Escrevo estas linhas ainda no suspense e na torcida pra que amanhã funcione. Depois eu atualizo.
ATUALIZAÇÃO 2024-04-25: Funcionou!
Caso não funcionasse, será que me bateria um descontrole?
Até blogo,