Semana passada, no domingo 26, fizemos um passeio em família bastante fora do comum, para nossos padrões. Um amigo da minha filha estava apresentando uma peça de teatro infantil em São Paulo, e queríamos levar a netinha pra assistir. Deu bem ruim.

Saímos de Campinas no comecinho da tarde. A peça começaria às 15h, num teatro dentro dum shopping center. Chegamos às 14h16, segundo o tíquete do estacionamento. Estava bem cheio, fomos lentamente rumo ao edifício garagem, pois os indicadores de vagas disponíveis nos estacionamentos ao ar livre estavam zerados, enquanto os da garagem indicavam mais de 15 vagas disponíveis.

Passamos pela enorme fila do estacionamento com manobrista, subimos uns dois andares lotados na garagem, já começando a perceber que o número de vagas sinalizado não correspondia à realidade. Cada vaga tinha um sensor colorido em cima, além do totalizador por andar. Mas mesmo desconsiderando um ou outro sensor com defeito (vaga ocupada marcada como livre), os totais não batiam.

Resultado: fomos subindo de andar em andar, cada volta demorando vários minutos, porque muitos outros carros também procuravam vagas. A filha tinha combinado de encontrar o amigo antes da peça, então sugerimos que fossem ela, o companheiro e a neta na frente, enquanto ficávamos o vovô e a vovó tentando estacionar.

Foi providencial, porque chegamos ao topo do estacionamento-garagem sem encontrar vaga. Já nem daria mais tempo de chegar ao teatro, e a indicação era de que não havia possibilidade de entrar depois do início do espetáculo. Perdemos os nossos ingressos. Fizemos um lanchinho no carro mesmo, com comida que levamos pra viagem, enquanto continuávamos procurando onde estacionar.

Quando bateu a vontade de ir ao banheiro, só conseguimos porque pudemos fazer revezamento no carro, porque não havia nem chance de encostar o carro nalgum lugar para uma pausa sanitária. Imagina alguém sozinho no carro, sem poder revezar, sem poder nem pagar pra sair?! E pra chegar ao banheiro lá demora: precisava tomar um elevador lerdo que demorava uma eternidade pra chegar e ainda fazer um percurso mais ou menos longo dentro do shopping.

Com ambos já aliviados de volta ao carro, continuamos dando voltas. Se soubesse que ia perder a peça, preferia ter ficado em casa assistindo às voltas bem mais rápidas nas 500 milhas de Indianápolis.

Chegamos a cogitar tentar sair pra estacionar noutro lugar, mas seria muito revoltante ter de pagar o estacionamento sem ter sequer conseguido estacionar, e a cancela automática na saída presumivelmente não seria capaz de sequer entender o argumento de que o serviço não havia sido prestado: a armadilha estava montada, passados os pífios 15 minutos de tolerância do estacionamento, consumidos seguindo indicações falsas de vagas disponíveis.

Então continuamos rodando, já planejando em que andar do estacionamento combinaríamos de encontrar o pessoal quando a peça terminasse, já que a ideia de encontrar uma vaga para estacionar nos parecia cada vez mais um sonho impossível.

Mas às 15h55, 100 minutos após a chegada, a peça já quase acabando, fomos surpreendidos com o aparecimento, na nossa frente, de não só uma, mas duas vagas recém liberadas, quase vizinhas. Sem disputa por vagas nem receio de que alguém chegasse primeiro, pudemos até escolher onde parar!

Entramos no shopping, encontramos o teatro e lugares para sentar e tentar relaxar um pouco após tanto estresse. Em poucos minutos a peça acabou e começou a se formar outra fila na entrada do teatro. Quando chegaram os nossos, ficamos sabendo que era pras crianças que quisessem tirar foto com o elenco. Nisso, a fila já serpenteava pela frente do cinema, pela praça de alimentação, chegando quase até os banheiros, e a neta deixou bem claro que queria a foto, sim.

Enquanto nos revezávamos guardando lugar na fila, que avançava lentissimamente, a menina mamou, tentou cochilar, depois tentou ficar acordada. Aconteceu de estar eu na fila no final da espera. Eu já estava estressando (ainda mais) porque não conseguiria avisar o pessoal sem sair da fila. (Não sou portador de tornozeleira eletrônica, que outras pessoas talvez usassem pra mandar recados, e o nível de ruído ambiente seria difícil de superar com a voz.)

Felizmente, entre meu lugar na fila chegar a um ponto do qual eu não mais conseguia vê-los e chegar nossa vez, quando eu já achava pensava como faria para não ter de voltar ao fim da fila, chegaram todos e puderam tirar a foto. Foi tão rápido que nem entendi por que a fila andava tão devagar.

Resolvida essa questão, finalmente podíamos ir embora. Ou quase isso: faltava pagar o estacionamento. Mais uma fila. A pessoa logo antes de nós tentou pagar com pix e a máquina deu erro "de comunicação no socket". (Quem faz sistemas com mensagens de erro porcas assim?)

Minha sorte não foi melhor: escolhi pagar com cartão de crédito, mas antes de ler o cartão, a máquina travou, de um jeito que não dava nem pra cancelar a operação. Era a única máquina naquela saída, então lá fomos nós atrás de outra máquina noutro andar.

Após enfrentar fila pro elevador lerdo e outra fila pra máquina do outro andar, comentei com minha companheira que, se o direito do consumidor funcionasse como eu acho que deveria, uma vez que tentamos pagar e o sistema se recusou a receber, estaríamos quites. Não faz sentido eu ter de pagar, com meu tempo de vida, minha paciência e minha saúde, pela incompetência e descaso do sistema porco deles, que além de me cobrar pelo tempo que permaneci preso tentando obter o serviço que não tinham condições de me oferecer, e depois novamente preso tentando pagar por ele, ainda me faziam correr atrás de algum jeito de contornar as falhas do sistema também na hora de pagar. Não me parece razoável que isso seja transformado em problema meu.

Mas aí chegou nossa vez, apresentei o tíquete pra maquininha do outro andar, e agora a mensagem era diferente, algo como: "transação simultânea não permitida". Estava dizendo que, como a máquina do andar de cima havia travado com a tentativa de pagamento já iniciada, o sistema não permitia iniciar outra tentativa nesta máquina. Problema meu? Também era a única máquina do andar. Não havia qualquer sinal, aviso ou recomendação, nem pessoal para orientar sobre como proceder para resolver a situação.

Paciência tem limite. Eu já estava propenso a entrar no carro e ir em direção à saída, e se ninguém viesse até mim pra resolver logo a situação, sairia à revelia da cancela automática, porque ninguém merece tamanho abuso.

Já no andar em que o carro estava estacionado, após mais uma fila pro elevador lerdo, encontramos uma pessoa uniformizada, da segurança do estacionamento. Nos orientou a procurar o balcão de atendimento na entrada do estacionamento com manobrista. Então decidimos nos dividir: eu iria procurar o tal balcão e dar um escândalo, enquanto o pessoal iria pro carro pra não assistir à cena. (A netinha, que não tinha feito a soneca da tarde, já estava pra lá de Teerã.)

Demorei a encontrar o andar do balcão. O elevador lerdo não levava até lá. Depois demorei a encontrar o balcão, já me arrependendo de ter tentado resolver a situação sem atrapalhar o tráfego. Sabe o pedreiro que, em pleno sábado, morreu na contra-mão, no genial poema do Chico? Seria João, o rei da Construção e da confusão, da também genial canção do Gil que inspirou o título deste pôste?

Havia um atendente no balcão. Tremendo de raiva, mas me contendo pra não descontar no trabalhador que seguramente era ainda mais vítima que eu da exploração de seu patrão, contei o ocorrido. Ele ofereceu e, a meu pedido, prontamente acionou o supervisor para me atender.

Em alguns minutos, o supervisor chegou. Tinha subido para reiniciar uma máquina de cobrança que tinha travado. Ouviu meu relato, senti apoio dos dois quando reclamei da falta de pessoal para atender, mas quando falei que seria ridículo ainda me cobrarem pelo péssimo serviço, mesmo eu tendo perdido a viagem, a oferta que recebi foi de um desconto de uma hora, que era o máximo que ele tinha autorização para oferecer. Duvidei, disse que abonar o tíquete sairia mais barato pra empresa que enfrentar o processo judicial, mas ele insistiu que o sistema atava suas mãos.

Até pra dar o ridículo desconto de R$4 (sobre uma conta que já chegava a R$36) ele precisaria pegar meus dados pessoais, gerar novo tíquete, ia demorar um pouco. De novo, os trabalhadores ali não têm culpa pelo abuso sistêmico cometido por quem os e nos explora, mas tem hora que fica perigoso... Vai que alguma coisa acontece no meu coração?!

Pra poupar a família de mais espera, decidi pagar o tíquete pra poder ir embora e buscar depois, pelas vias competentes, o ressarcimento e a reparação pelos danos causados. Antes que eu me retirasse, o supervisor, que me foi respeitoso (assim como o primeiro atendente) durante toda a discussão, me entregou, a meu pedido, um cartão com os dados de contato do Serviço de Atendimento ao Cliente do estacionamento, que achei que fosse terceirizado, mas não, é do próprio Shopping Eldorado. Ainda não os acionei, porque continuo tremendo de raiva ao pensar em como nos fazem de otários. Espero nunca mais voltar lá. Foi bem traumático. Não recomendo.

Encontrei minha companheira no vestíbulo do elevador. Ela já pensava em ir me procurar no tal balcão, tamanha a demora. Por pouco não nos desencontramos. Voltamos pro carro e nos dirigimos à saída daquele inferno. A máquina controladora da cancela automática pediu para inserir o tíquete, mas, antes que eu conseguisse achar onde, a cancela se abriu. Surpreso e cansado de enfrentar falhas no sistema deles, não esperei a cancela mudar de ideia: saí sem inserir o tíquete.

Livres, afinal, saímos em busca de uma pizzaria sem gluten que havia na região, uma franqueada da rede Pizza 4 Fun, que queríamos conhecer. Eu tinha dúvida de que conseguiriam atender a todas as restrições alimentares da família, mas desta vez a surpresa foi positiva. Nos atenderam super bem, tivemos um jantar bastante agradável e depois nos pusemos a caminho de volta pra casa.

Eu não me oriento muito bem em São Paulo, só sei o caminho de casa após conseguir chegar a alguma das marginais, então minha filha ativou o GPS do rastreador portátil dela pra nos guiar. Seguindo as orientações do GPS, logo chegamos à Marginal do Pinheiros.

Mas aí o GPS deu uma orientação que estranhei. Cansado e um pouco inseguro sobre onde estava, segui o caminho sugerido. Minha impressão se confirmou: a sugestão nos fez atravessar uma das pontes sobre o Rio Pinheiros, e começamos a seguir no sentido contrário ao caminho que eu faria para pegar a Rodovia dos Bandeirantes. Pouco depois, foi sugerida uma saída para a Castello Branco, e logo me vi procurando um retorno porque não queria pegar o Rodoanel.

A filha verificou no GPS que o caminho sugerido seria o mais rápido. A partir daquele ponto eu até acreditava que pudesse ser, mas duvidava que teria sido mais rápido que seguir na marginal até pegar a Bandeirantes, como eu planejava fazer. Quando cruzamos o pedágio nesse caminho inesperado, eu quase xinguei por ter seguido a indicação do GPS, porque na marginal eu sabia o caminho, porque sabia que haveria outro pedágio inesperado no Rodoanel e depois ainda haveria os pedágios já planejados na Bandeirantes.

Plot twist: o GPS não falou pra pegar o Rodoanel. Passou direto. Em vez disso, nos indicou uma rota estranhíssima, com vias de pista simples com limites de velocidade de 30, 40 km/h, ziguezagueando entre condomínios de luxo, enquanto eu sonhava com uma rodovia de verdade pra chegar logo em casa. Pra aliviar a tensão, o pessoal brincava que não era todo dia que tínhamos ocasião de conhecer tantos condomínios, era uma "oportunidade imperdível!"

Tive flashbacks de outra ocasião em que fiquei (sem exagero) horas rodando por vias parecidas, tentando chegar ao aeroporto de Guarulhos, onde a filha então ainda pequena nos esperava após viagem de férias com amigos nossos muitíssimo queridos.

Após uns 45 minutos com vontade bater cabeça no pára-brisa pra ver se eu acordava de mais esse pesadelo, chegamos à Via Anhanguera, acho que já quase em Jundiaí. Eu preferia a Bandeirantes, mas tinha começado a chover, então o limite de velocidade maior não seria aproveitável, então me conforme. Era o que tinha praquele dia.

A surpresa agradável foi que esse caminho estranhíssimo nos levou além do primeiro pedágio da Anhanguera. Não recomendo, não valeu a pena, não faria esse caminho de novo, mas com o valor menor do primeiro pedágio, ainda na Castello Branco, comparado ao que evitamos na Anhanguera, "economizamos" uns 50% a mais que o desconto ridículo que o estacionamento do shopping tinha oferecido.

Já chegando a Campinas, brinquei que, se o pessoal estivesse disposto a encarar mais uma "oportunidade imperdível", eu tinha ouvido dizer que havia um caminho passando por Vinhedo e Valinhos para evitar o segundo e último pedágio da Anhanguera, logo antes de chegar a Campinas, e o GPS provavelmente saberia nos guiar. Ninguém riu. Desconfio que ninguém achou engraçado. Nem eu.

Chegamos sãos e salvos em casa. Foi um dia que dá vontade de esquecer, mas se a gente esquecesse, poderia cair na armadilha de novo, poderia deixar barato o abuso que nos foi imposto. Bem que eu queria deixar por isso mesmo, mas se eu engolir o prejuízo causado pelo estacionamento com informação falsa sobre vagas disponíveis, prazo de tolerância absolutamente incompatível com a possibilidade de verificar que nos deixaram entrar mesmo sem perspectiva de encontrar vagas, cobrança pelo tempo que passamos tentando receber o serviço que eles sabiam que não conseguiriam prestar, cobrança pelo tempo que passamos tentando, por três vezes, pagar pelo serviço que mal recebemos, cobrança pelo tempo que passamos procurando orientação sobre como contornar as impossibilidades de pagamento impostas pelo sistema, além dos ingressos e da viagem perdidos, capaz que achem que a gente aceita e acha normal todo esse abuso, e da próxima vez nos empurrem ainda mais inconveniências e surpresas e externalizem mais custos para nós.

Melhor seria se mais gente conhecesse os próprios direitos e os fizesse valer. Não consigo me permitir não fazer a minha parte: tentar fazer o serviço abusivo ser menos lucrativo que seria um serviço prestado decentemente. Agora só preciso descobrir a qual PROCON eu devo recorrer, se pode ser o de Campinas, onde moro, ou se precisaria ser o de São Paulo, onde ocorreu o abuso.

Falar em abuso... Desculpaí, Gil, pela corruptela anglicista do título de sua canção no título deste pôste. Aquele abraço! (mas essa é outra)

Até blogo,