Dez razões pra não gostar da Microsoft
Alexandre Oliva
Outro dia alguém me perguntou 10 razões pra não gostar da Microsoft.
Num primeiro momento, achei que não era o caso. A prática de comercializar software proprietário não é exclusividade dela; nem seria certo demonizá-la como se fosse a única. Vai que ela está pensando em vir para o lado branco da força e, com essas críticas, volta atrás?
Pensando bem, achei que poderia dar um bom texto, e que a chance de ela estar considerando dar o passo e, nesse caso, o texto afastá-la, era ínfima, então aceitei o desafio. Deu no que deu...
Ela desrespeita as liberdades do usuário através de medidas técnicas
Para não se tornar escravo do software e de seu fornecedor, todo
usuário de software deve ter as liberdades de executar o software para
qualquer propósito, estudá-lo e adaptá-lo às suas necessidades, e
compartilhá-lo com outros, com ou sem modificações.
http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html
Para que se possa gozar de algumas dessas liberdades, é necessário acesso ao código fonte do software: a forma como o software é criado e pode ser compreendido e modificado por humanos (contraste com código objeto, que somente os computadores entendem). É uma forma de expressão que codifica muito de nossa cultura, na medida em que o software carrega informação sobre práticas de nossa sociedade, e que é cada vez mais necessária para apresentar e preservar outras expressões culturais (livros, artigos, imagens, filmes, músicas), armazenadas cada vez mais exclusivamente em meios digitais. Quem nunca teve dificuldades para acessar um arquivo criado por um programa que já não funciona mais no sistema operacional que você usa? Com código fonte do programa, pode até dar trabalho fazê-lo funcionar novamente, mas pelo menos existe essa possibilidade.
Raras vezes a Microsoft fornece seus códigos fontes. Isso torna dependente da Microsoft até mesmo alguém que seria tecnicamente capaz de fazer adaptações ao software. Sem acesso ao código fonte, ele fica incapaz de fazê-lo por conta própria, restando-lhe somente aguardar que a Microsoft lhe dê ouvidos e faça a modificação necessária. Seja uma pessoa, seja uma empresa, seja um país inteiro.
De fato, a negação de acesso ao código fonte coloca em risco a soberania do país. Colocar a sua segurança nas mãos de software que você não pode nem inspecionar, que dizer modificar, é como colocar uma raposa para tomar conta das galinhas.
Ela rouba o controle sobre o seu computador
À medida em que o computador se transforma numa plataforma de
entretenimento, medidas técnicas são também usadas para controlar
acesso e cópia do chamado "conteúdo digital", inclusive quando o
direito a acesso e cópia é garantido por lei. São técnicas chamadas
de DRM, sigla em inglês para Gestão Digital de Restrições. Já há
muito tempo o Windows Media Player impõe esse tipo de restrições,
porém no Windows Vista isso se tornou ainda mais sério, pois o sistema
desperdiça recursos do seu computador para impedir que você
assista a filmes ou escute música em equipamentos que não trabalhem
junto com ele e contra você, degradando a qualidade ou deixando de
exibir vídeo e áudio em equipamentos "não aprovados".
http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=20&id=216
Se todo software da Microsoft respeitasse as 4 liberdades, incluindo o código fonte, mesmo que ele viesse com essas restrições, você poderia modificá-lo de modo que ele não restringisse suas opções.
Ela desrespeita as liberdades do usuário através de medidas jurídicas
As leis de direito autoral e do software, no Brasil, entendem que, para poder gozar dessas 4 liberdades, em muitos casos o usuário do software depende de permissão explícita do titular do direito autoral.
A Microsoft quase nunca concede essas permissões em suas licenças. Das raras vezes em que compartilha o código fonte, a Microsoft quase sempre o faz através de termos jurídicos que não permitem o pleno gozo dessas liberdades.
Isso significa que um usuário pode ser impedido legalmente de adaptar o software às suas necessidades, ou de contratar alguém mais disposto ou mais competente tecnicamente para fazê-lo.
De fato, suas licenças não apenas deixam de conceder permissões que, pela moral e pela ética, todos deveriam exigir e receber, mas também impõe restrições adicionais ao usuário, tirando-lhe direitos que tinha antes de aceitar a licença. Quem já leu com atenção uma EULA da Microsoft antes de clicar no "Eu Aceito" talvez entenda o tamanho do problema.
Ela desrespeita padrões internacionais
Entre outras razões, padrões internacionais são criados para oferecer a usuários maior flexibilidade e independência de fornecedor, já que produtos que seguem o padrão podem operar em conjunto mesmo sendo de fabricantes diferentes. Ao mesmo tempo, reduzem custos para fabricantes, que podem acelerar o processo de desenvolvimento de seus produtos utilizando os esforços investidos e o conhecimento codificado nos padrões, inclusive através da integração de componentes prontos.
A Microsoft não tem por política seguir padrões internacionais. Só para citar dois dos exemplos mais visíveis, temos os padrões da Internet, do Consórcio World Wide Web, conhecido como W3C, e o padrão internacional de documentos Open Document Format.
O Internet Explorer é conhecido por não seguir os padrões, preservando erros de compatibilidade ao longo de mais de uma década, com a desculpa de que há sítios desenvolvidos especificamente para funcionar na presença desses erros. Como resultado, os sítios que se dispõem a funcionar, tanto nesse navegador incompatível quanto em navegadores compatíveis com os padrões internacionais, necessitam esforços maiores, às vezes mantendo permanentemente duas versões do sítio. O único beneficiado dessa situação parece ser justamente o próprio Internet Explorer, que preserva seu quase-monopólio através da dificuldade que ele mesmo cria para que usuários adotem outros navegadores nos sítios de suas preferências.
Open Document Format (ODF) é um padrão bem mais recente, que surgiu de esforços de inúmeras organizações, com o objetivo de estabelecer padrões para armazenamento de arquivos de texto, planilhas, apresentações, bancos de dados, enfim, o que compõe uma suíte de escritório típica.
Com a muito bem-sucedida implementação pelo projeto OpenOffice.org (no
Brasil, BROffice.org, por causa de uma marca registrada), e as
diversas iniciativas de terceiros para suporte desse formato em outras
suítes de escritório, inclusive para o Microsoft Office, esse formato
foi aceito como padrão na International Standards Organization.
http://broffice.org/
http://idgnow.uol.com.br/computacao_pessoal/2007/02/02/idgnoticia.2007-02-02.6004003453/IDGNoticia_view
Imediatamente, a Microsoft reagiu com uma tentativa de "padronizar"
seu novo conjunto de formatos de arquivo, com uma especificação
monstruosa de milhares de páginas, mas ainda assim incompleta, e em
conflito com inúmeros outros padrões internacionais, sem falar na
sobreposição de propósito. Esta proposta está neste momento sendo
empurrada através de uma "pista rápida" de aprovação de padrões já
aceitos por outras organizações de "padronização".
http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0%2C%2COI1537498-EI8252%2C00.html
Essa proposta, curiosamente denominada Open Office XML, também ficou
conhecida através de outros nomes, tais como OOXML, ou ainda OpenXML.
Todos eles, de uma forma ou outra, parecem remeter ao OpenOffice.org,
podendo dar impressão aos desavisados que se trata de fato do formato
de arquivo usado pelo OpenOffice.org, o ODF. Será que qualquer
semelhança no nome é mera coincidência?
http://en.wikipedia.org/wiki/Office_Open_XML
Se for aprovada, apesar de não haver justificativa razoável para dois
padrões da ISO sobre o mesmíssimo tema, trará inconveniência para
todos, que experimentarão as dificuldades da inter-operação quando
surge mais de um padrão para o mesmo propósito. A única beneficiada
seria a própria Microsoft, que, ao invés de adotar o padrão já
existente, legitimaria o seu novo formato como padrão alternativo,
ainda que, graças a patentes que possui, possa impor restrições
arbitrárias a quaisquer outros que desejem implementá-lo. Tudo isso
quando já existe mais de uma implementação de ODF para o seu próprio
Office.
http://www.odfalliance.org/
Ela abusa do poder de patentes de software
Além da inclusão de técnicas patenteadas em formatos de arquivo, tanto no caso OOXML, quanto nos formatos de áudio e vídeo restritos por DRM, que lhe permitem controlar juridicamente qualquer um que se disponha a implementar tais "padrões", há outra forma ainda mais perversa de usar patentes de software: como geradora de medo, incerteza e dúvida (FUD).
À medida em que seu monopólio perde espaço para o tecnicamente
superior GNU/Linux, a Microsoft busca maneiras de preservar o
"imposto" que se acostumou a receber para cada computador vendido.
Assim, publica ameaças de processos de violação de patentes contra
usuários de softwares concorrentes, enquanto formaliza acordos com
fornecedores desses softwares concorrentes.
http://info.abril.com.br/aberto/infonews/052007/07052007-3.shl
Tais acordos são apresentados como acordos de cooperação técnica, mas
incluem acordos de patentes fraseados de maneira a desrespeitar, se
não a letra, ao menos o espírito da licença GNU GPL. Essa é a licença
de direito autoral usada em mais de 70% dos Softwares Livres, entre
eles o Linux, o "núcleo" mais comumente usado com o sistema
operacional GNU. Muita gente veio a conhecer essa combinação,
corretamente chamada GNU/Linux, somente pelo nome dessa peça de
software menor, mas não menos tecnicamente relevante: o Linux. Muitos
chamam o sistema operacional pelo nome errado por ignorância; os
demais, por má fé, para não dar o crédito ao projeto GNU que o próprio
autor do Linux achou por bem dar quando lançou seu programa.
http://www.kernel.org/pub/linux/kernel/Historic/old-versions/RELNOTES-0.01
Através desses acordos, os fornecedores de produtos incluindo software concorrente do sistema operacional Microsoft, tais como Novell, Samsung e Dell, dividem com ela parte de seus lucros, através de pagamento por licenças de patentes que nem se sabem se de fato atingem o software, enquanto buscam abocanhar uma fração maior do mercado em função da "proteção" que a Microsoft oferece aos seus clientes. Lembra a prática de alguns guardadores de carros que cobram uma taxa para que eles mesmos não risquem seu automóvel.
Ela abusa do poder de seus monopólios
Todo software que desrespeita alguma das quatro liberdades cria um monopólio para seu usuário, pois, mesmo que antes de começar a usar o software houvesse várias opções, uma vez que ele é adotado, o usuário passa a ter apenas um recurso: o fornecedor.
Mas os monopólios da Microsoft são muito mais generalizados que isso. Valendo-se de sua presença em mais de 90% dos computadores de mesa, foi capaz de neutralizar o Netscape e tornar o muitíssimo inferior Internet Explorer o navegador dominante, através de sua "integração" ao sistema operacional. Depois do "fim do assalto", o desenvolvimento do Internet Explorer ficou estacionado durante mais de meia década, e só retornou frente ao crescimento do novo Netscape, "re-encarnado" no Mozilla Firefox.
Através desse mesmo monopólio, ela busca controlar controlar o mercado de formatos de arquivo de vídeo e áudio, através do Windows Media Player, carregado de mecanismos de DRM.
Por essas e outras, a Microsoft já foi julgada e condenada na Europa,
com multas que, embora imensas, são muito menores que os benefícios
colhidos do monopólio. Enquanto isso, continua descumprindo as
exigências de cooperação e compatibilidade impostas na mesma
condenação.
http://computerworld.uol.com.br/idgnow/mercado/2006/02/15/idgnoticia.2006-02-15.5236249792/IDGNoticia_view
http://idgnow.uol.com.br/mercado/2006/07/12/idgnoticia.2006-07-11.4462887378/IDGNoticia_view
No Brasil também já houve condenação à Microsoft por essas práticas
anti-competitivas, ainda que a multa tenha sido de valor irrisório.
http://www.cade.gov.br/noticias/vernoticia.asp?cn=116
Nos EUA, a maior parte dos estados que moveram ação contra essa mesma
empresa aceitaram um acordo que mal fez cócegas na conta bancária da
empresa, não impôs qualquer restrição significativa às práticas
anti-competitivas que motivaram a ação, determinou a destruição de
provas das práticas ilegais e ainda atava as mãos desses estados no
sentido de buscar o cumprimento das leis contra essas práticas. O
estado que mais resistiu ao acordo, ainda que sofrendo pressões
imensas, acabou optando pela exigência de padrões abertos para
formatos de arquivos (uma das grandes motivações para a "padronização"
do OOXML).
http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/microsoft-cronologia.shtml
http://www.serpro.gov.br/noticiasSERPRO/20050905_03
Esse monopólio se mantém através da prática de oferecer vantagens financeiras para fornecedores de computadores que incluam em seus anúncios frases como "O recomenda Microsoft Windows", e que não vendam computadores sem sistema operacional, ou com sistemas operacionais concorrentes.
Hoje, no Brasil, ela escapa de regulamentações anti-monopolistas e exigências para licitações públicas através de artifícios como ter múltiplos representantes no país, como esses representantes de fato tivessem margem significativa de negociação e competição, e como se o repasse do pagamento das licenças para o monopólio da Microsoft não fossem sua grande despesa operacional nesse mercado.
Mesmo com essas e tantas outras condenações (veja URL abaixo), as
multas continuam sendo muito menores que os lucros obtidos, o que em
última instância só faz incentivar a prática anti-competitiva. As
leis não parecem preparadas para lidar com tamanha concentração de
poder econômico, que tanta influência exerce inclusive sobre os
próprios responsáveis por fazer cumprir a lei. Fica o convite para
legisladores e juristas comprometidos em defender os interesses da
sociedade, para que trabalhem no sentido de criar e aplicar leis mais
severas contra essas práticas.
http://www.groklaw.net/staticpages/index.php?page=2005010107100653
http://listas.softwarelivre.org/pipermail/psl-brasil/2007-April/020177.html
Ela introduz e intencionalmente mantém incompatibilidades
Além do já mencionado caso das incompatibilidades do Internet Explorer com os padrões internacionais, há casos documentados em que a Microsoft efetuou modificações em seus aplicativos, já dominantes no mercado nos tempos da DOS, de modo que eles não funcionassem corretamente nos sistemas operacionais concorrentes tecnicamente superiores, tais como DR-DOS e OS/2.
Ao invés de seguir padrões de compartilhamento de arquivos em redes locais estabelecidos nos idos tempos em que a Novell dominava algumas redes e o Unix dominava outras, criou um protocolo tecnicamente inferior, incompatível com os utilizados em ambos, e "atualizou" esse protocolo a cada vez que surgia uma implementação alternativa funcional. Até mesmo a autenticação de usuários, que, depois de muitos anos de insegurança, passou a usar o protocolo Kerberos, reconhecidamente seguro, mas o fez de forma incompatível com outras implementações existentes desse protocolo.
As "novidades" a cada versão de seus softwares vêm acompanhadas de alterações incompatíveis nos formatos do arquivo, de modo que mesmo quem não pretende usar as "novidades" se vê obrigado a fazer um upgrade para poder continuar abrindo arquivos recebidos de terceiros que tenham dado o passo, intencionalmente ou não. A partir desse momento, passam a fazer pressão, mesmo que não intencional, para que outros paguem pelo licenciamento da nova versão, outrossim desnecessária também para eles.
Tecnicamente, é possível projetar um formato de arquivo de modo que funcionalidades novas sejam apenas ignoradas, ao invés de rejeitadas, por versões mais antigas do software. Por que será que a maior fabricante de software do mundo não sabe disso? Ou será que sabe?
Ela não se preocupa com a segurança dos clientes
As pragas digitais que assolam os computadores com Windows e a Internet podem ser em grande parte atribuídas às práticas inseguras de programação da Microsoft. No início da era da comunicação em redes locais e, logo em seguida, da Internet, ela ainda não tinha um sistema operacional adequado para esses ambientes. Ao contrário da tradição Unix, herdada pelo GNU/Linux, de computadores com múltiplos usuários simultâneos, o DOS e depois o Windows surgiram de maneira em que o usuário no comando do teclado (e, mais tarde, do mouse) era o único usuário, com controle total e imediato sobre a máquina.
Hoje, ela já entende que vários usuários podem usar um mesmo computador, seja simultaneamente, seja em sessões separadas temporalmente, e acrescentou recursos aos seus sistemas operacionais para permitir essas práticas.
Infelizmente, para a maioria dos computadores, isso acaba sendo pouco mais que a gerência de múltiplos perfis de usuário, cada um deles com controle total sobre o computador, desde que não viole as regras de DRM, claro!
A pretexto de "facilitar a vida" de usuários, qualquer um dos usuários/administradores pode modificar a configuração do computador, instalar qualquer programa, etc. Mesmo que seja um vírus se instalando silenciosamente após um clique num arquivo cuja natureza maliciosa foi convenientemente escondida pelo leitor de e-mail ou o navegador, tudo para "facilitar a vida" do usuário.
Quantos recursos financeiros e computacionais são desperdiçados em programas anti-vírus e firewalls, não só por falta de indução à separação clara de papéis de usuário e administrador no sistema operacional, como também por práticas de desenvolvimento de software discutíveis no que tange a segurança e robustez.
Qualquer programa suficientemente grande por certo contém erros, e
alguns deles podem resultar em problemas de segurança computacional.
É preocupante, porém, que a Microsoft atribua maior prioridade à
correção de um erro que permitiria a um usuário local violar regras de
DRM, a ponto de corrigi-la em menos de um dia, enquanto outros erros
que permitiam tomada de controle do computador através da rede, sem
consentimento ou mesmo conhecimento por parte do usuário local, tinham
de esperar até a próxima "terã de remendos".
http://www.techbits.com.br/2006/09/09/microsoft-seguranca-nao-e-assim-tao-importante/
E isso tudo sem assumir responsabilidade alguma pelas conseqüências de seus erros (veja a licença!), nem oferecer a alternativa da correção independente (como fazem os fornecedores de Software Livre).
Ela desrespeita a inteligência dos usuários
Novamente a pretexto de "facilitar a vida" dos usuários, ela oferece interfaces "amigáveis" que "emburrecem" o usuário, limitando as tarefas que ele pode desempenhar ao conjunto previamente estabelecido pelos projetistas do software.
Usuários freqüentes de um software acabam aprendendo os atalhos de teclado, e com isso aceleram muito seu uso do software.
Mas se precisam converter 10, 100 ou 1000 arquivos de um formato para o outro, através de uma interface gráfica, desperdiçarão um tempo na frente do computador que é proporcional ao número de arquivos.
Programas bem projetados vão além dos atalhos de teclado, permitindo que o poder do usuário sobre o software cresça à medida em que ele adquire experiência e na medida de suas necessidades, ao invés de mantê-lo restrito às funcionalidades previstas originalmente.
Isso é tipicamente feito através da oferta de uma interface alternativa, programável, em que usuários mais experientes possam desde gravar macros para automatizar tarefas, podendo assim dizer ao programa algo como "veja o que vou fazer com este arquivo; quero que faça a mesma coisa com estes outros 999", até usar funcionalidades internas dos programas para criar novos atalhos ou até novas funcionalidades mais inteligentes.
A oferta dessas interfaces alternativas, embora possa parecer um esforço adicional, o que poderia justificar sua ausência, é, pelo contrário, um princípio consolidado da teoria e da prática de projeto de software com interfaces gráficas. É improvável que tais práticas não sejam seguidas internamente nos programas.
Parece, do contrário, uma tentativa de manter os usuários cativos, incapazes de dar passos na direção de se tornarem menos meros usuários e mais desenvolvedores. Transparece o objetivo de nivelar por baixo, limitando quem gostaria de ir além.
Ela dá um mau exemplo para empresários de software
O imenso sucesso econômico alcançado por essa empresa, devido a circunstâncias várias que acabaram lhe rendendo uma posição de monopólio que ela soube sustentar e estender a outras áreas, faz com que sua posição seja almejada por muitos empresários de software, que se iludem com o prospecto de sucesso semelhante.
Porém, a prática da "primeira dose grátis", que hoje ajuda a sustentar o monopólio, é insustentável para novos empresários, sem bolsos tão fundos.
De fato, apesar de todo o sucesso da Microsoft com sua estratégia de
comercialização de licenças de software, o comércio de licenças de
software responde por menos de 1% da indústria de TI no mundo, segundo
pesquisa divulgada pela ABES em março último.
http://www.tiinside.com.br/Filtro.asp?C=265&ID=71665
Serviços de TI, entre os quais se incluem desenvolvimento, instalação, customização, adaptação, suporte, treinamento, entre outros, respondem por mais de 40% da indústria mundial de TI, segundo a mesma pesquisa.
Empresários de software que buscam replicar a prática de venda de licenças de um mesmo software para muitíssimos usuários nadam contra a corrente da indústria mundial de TI, em que a maior parte do software é desenvolvido para um cliente específico, e o cliente que recebe o software detém o controle sobre ele. Nem todo mundo se dá conta de que isso é desenvolvimento de Software Livre, pois Software Livre é aquele que respeita as quatro liberdades de seus usuários, quaisquer que sejam os usuários. Não necessariamente aquele que está disponível para download gratuito na Internet. Qualquer dos usuários é Livre para distribuir, se quiser. Se não quiser distribuir, não é obrigado.
O comércio de licenças que desrespeitam as liberdades dos usuários, e que dependem desse desrespeito como modelo econômico, está com os dias contados, à medida em que cada vez mais usuários percebem a informática como recurso essencial, do qual suas próprias atividades dependem, e se negam a ceder o controle sobre suas atividades para empresas que não os respeitam.
O comércio de serviços associados ao software, desde o início do ciclo de desenvolvimento até a manutenção do software ao longo de sua vida útil, é uma prática que não só tem se mostrado economicamente mais interessante, tanto para o cliente quanto para o fornecedor (salvo as raríssimas exceções como a Microsoft), mas também, na medida em que respeita as liberdades do usuário, representa uma conduta mais aceitável ética e moralmente.
Houve um tempo em que era prática comercial comum privar da liberdade seres humanos que não cometessem crime algum, a não ser que nascer com pele escura fosse tido como um crime. A sociedade brasileira viu que essa prática era incompatível com a moral, com a ética e com o respeito ao ser humano, e achou por bem bani-la, ainda que alguns a julgassem economicamente favorável.
Um século depois, essa prática foi trazida de volta, na forma de cerceamento da liberdade digital, e imposta a todos os países membros da Organização Mundial de Comércio, ao invés de proposta através da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, que trata desses temas. Embora a lei, em função dessas imposições estrangeiras, permita aos empresários do software dispor da liberdade dos que aceitem contratos de licenciamento restritivos, é dever moral dos usuários rejeitar tais restrições, assim como é dever ético dos fornecedores de software respeitar as liberdades de seus clientes.
Ainda bem que esse respeito é interessante economicamente, tanto para usuários quanto para os fornecedores. Falta só uma fração significativa deles descobrirem isso...
Copyright 2007 Alexandre Oliva
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