Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 1)
Olá, boa hora do dia, qualquer que seja. Sou Alexandre Oliva, conselheiro da Fundação Software Livre América Latina, e o tema que vou abordar é a (i)legitimidade do direito autoral como se vem tentando implantar e distorcer hoje, em contraste com um direito autoral que respeita(va) outros direitos humanos e o bem comum.
Para tratar deste tema, vou me basear na palestra “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico”. Sugiro acompanhar pelos slides. Se por acaso seu computador não tiver um apresentador de arquivos .PDF, veja diversas recomendações em pfdreaders.org.
Início (página 1)
Como escreveu Thomas Jefferson, ideias são como chamas de velas. Se eu lhe dou uma ideia, não fico com uma ideia a menos. Da mesma forma, se eu usar a chama de sua vela para acender a minha, você nada perde. O maior receio da Indústria do Pãnico é que as pessoas se dêem conta dessa distinção fundamental entre bens rivais e não-rivais, daí a ilustração inicial.
Resumo (página 2)
Vou tratar de temas como o propósito das leis e de onde emanam. Baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, vou também defender diversos direitos que a Indústria do Pãnico vem tentando cercear, por meios técnicos e jurídicos.
Vêm sendo alvo de ataques até mesmo direitos consolidados e historicamente respeitados, como os de apreciar obras culturais a que se tenha acesso e de compartilhar o acesso que se tenha com amigos. Ao contrário do artigo em que está baseada a palestra, que justifica essas possibilidades com base exclusivamente nos direitos humanos, nesta ocasião vou contrastá-los com o arcabouço do direito autoral, tanto o original quanto o subvertido.
Sobre os pilares desses direitos consolidados, combinados com outros direitos humanos, mostrarei como construir e defender os direitos de preservar o acesso a obras culturais e convertê-las entre meios de suporte e formatos distintos, assim como o direito de baixar obras culturais da Internet e direitos limitados de subir e até compartilhar tais obras, inclusive em redes de compartilhamento P2P (peer to peer).
Finalmente, denunciarei como esses direitos humanos vêm sendo atacados pela Indústria do Pãnico, oferecendo algumas sugestões sobre como defender nossos direitos e combater essas leis injustas, tanto as que já estão em vigor quanto as que a Indústria do Pãnico vem tentando fazer todo o mundo engolir.
Ao longo desses tópicos, intercalarei capítulos da novela “União dos Estados de Pãnico”, uma obra de ficção inspirada em fatos infelizmente reais e bem familiares, que conta os embates entre a população dos Estados Unidos de Pãnico e sua principal indústria de alimentos para o corpo, numa ilha nada pacífica.
Leis, direitos e proibições (página 3)
O objetivo maior das leis é promover a justiça e o bem estar comum.
De um lado, leis civis estabelecem (i) os direitos, (ii) os mecanismos de resolução de conflitos em casos de sobreposição e conflito de direitos, e (iii) mecanismos de indenização em casos de desrespeito, tanto a título de reparação e compensação ao desrespeitado, quanto a de punição para desencorajar desrespeitos.
De outro, leis criminais, que estabelecem penalidades para comportamentos que representem ameaça aos direitos e liberdades da sociedade como um todo, tanto no sentido restritivo, cerceando a liberdade da qual se abusou a fim de evitar novo abuso, quanto no punitivo, desencorajando de antemão práticas abusivas.
As formas de indenização e penalização têm como finalidade demandar sacrifícios em prol do bem comum. Quem já viu crianças com até uns três anos brincando sabe que, quando uma quer um brinquedo, não importa que a outra o esteja usando: o impulso, naquela idade ainda não controlado, é de tomar o objeto do interesse.
Com o tempo, aprendemos a conter esses impulsos, por vezes sacrificar desejos, para possibilitar a vida pacífica em sociedade. Mas nem todos aprendem essas lições, e por isso a sociedade estabelece essas leis.
Em qualquer sociedade democrática e justa, as leis emanam da sociedade, procurando melhor atender aos interesses da própria sociedade. Não é obrigação da sociedade se sacrificar para privilegiar interesses particulares.
Imagine que um dia alguém inventasse uma máquina capaz de copiar qualquer objeto ou substância nela colocado, sem custos ou insumos. Se alguém bate à sua porta com fome, copia-se-lhe pão, frutas, um prato de comida. Se tem sede, copia-se-lhe água. Se tem frio, copia-se-lhe agasalho. Se chove, copia-se-lhe um guarda-chuva. Se está doente e precisa de um medicamento, copia-se-lho.
Por certo, indústrias cujos modelos de negócios se baseiam na dificuldade de produzir esses bens tentariam coibir o uso da máquina para copiar os bens que produzem. Deveria a sociedade aceitar esse sacrifício, abrir mão desse avanço tecnológico para preservar artificialmente um modelo de negócios que se tornou obsoleto?
Fica mais fácil ainda ver o absurdo desse tipo de proibição pensando em materias que necessitamos importar. Vamos supor que tivéssemos de comprar muito petróleo, urânio, cobre, ferro, prata, ouro, platina e diamantes extraído no exterior. Usando as máquinas para copiar esses materiais, poderíamos reduzir os gastos com importações, e reverter esses recursos para benefício da nossa sociedade. Os extratores desses materiais certamente chiariam, mas que sentido faria nos privarmos do uso da máquina para sustentá-los?
A história está cheia de invenções que tornaram modelos de negócios obsoletos, exigindo que seus praticantes se adaptassem para não perecer. Quanto inventaram o telégrafo, houve grande impacto na entrega de mensagens a cavalo, pois as mensagens se deslocavam sem o transporte de matéria. O telefone tornou o telégrafo obsoleto, e agora é ameaçado pela Internet, com e-mail, mensagens instantâneas, inclusive com Voz e Vídeo. O tele-transporte de cargas e pessoas, se um dia se tornar viável, vai chacoalhar os mercados de transporte, hoje baseados na dificuldade de mover matéria de um lugar a outro.
Deveríamos nos sacrificar proibindo ou restringindo o uso das novas tecnologias como tele-transporte, Internet, telefone e telégrafo, para beneficiar quem utiliza os modelos de negócios por eles ameaçados, preservando-os artificialmente?
Intervalo
Descubra por que o cientista que inventou a Fantástica Máquina de Copiar foi condenado à morte nos Estados Unidos de Pãnico, amanhã, no capítulo de estréia da novela “União dos Estados de Pãnico”.
Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 2)
Continuando a apresentação de “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico” (acompanhe pelos slides com um apresentador de arquivos .PDF), o capítulo de estréia da novela “União dos Estados de Pãnico”, e um par de direitos humanos que a Indústria do Pãnico gostaria que não fossem respeitados.
União dos Estados de Pãnico, 1º Capítulo (página 4)
Era uma vez, numa república democrática bem, bem distante situada numa ilha pouco pacífica, um pesquisador de Mekãnika Pãntika que desenvolveu uma Fantástica Máquina de Copiar. Foi condenado à morte por trair a nação, os Estados Unidos de Pãnico.
Pãnico, ou Pãn'k, como escrevem os cidadãos o nome da ilha em que vivem, significa “fazer pão” no idioma local. São, de longe, os maiores produtores e consumidores de pão do mundo. Não é à toa que a indústria de pão é a mais poderosa do país: seu produto é a base da alimentação daquele povo. Tanto que outra tese sobre a origem do nome é justamente do sentimento de pãnico, ao qual a sociedade é muito suscetível em função de longas secas que assolam a região e prejudicam a produção de cereais, levando à fome e ao pãnico generalizados.
A invenção da Fantástica Máquina de Copiar teve imensa repercussão sobre a sociedade, que logo começou a utilizá-la para copiar pão, ou pãn. Em poucos dias, notaram que o pão copiado pela máquina não era sempre fresquinho, mas sim tão fresco ou velho quanto o pão nela colocado. A máquina copiava até o bolor do pão, Pãn'çilin'.
É curiosa a origem desse termo, que chegou a nós como penicilina. Acreditavam os antigos que viviam em Pãnico que espíritos vinham comer do pão e, quando o pão estava velho e duro, ficavam “presos ao pão”, isto é, pãn'çilin'. Dada a importância do pão para essa sociedade, a palavra çilĩn' acabou por adquirir também o significado de velho, além de preso, e seu antônimo, freç, fresco, além de livre.
A constatação de que o pão copiado nem sempre seria próprio para consumo causou grande preocupação à população em Pãnico, pois imaginaram que ninguém produziria pão se ele pudesse ser copiado, e se ninguém produzisse pão, que iriam comer? Foi por esse motivo a condenação do cientista, bode expiatório, à morte: a invenção da máquina foi tomada como traição aos interesses da sociedade em Pãnico.
A proibição do uso da máquina para copiar pão fresco adveio, curiosamente, não de pressão da poderosa indústria, mas da própria sociedade. O Partĩd' Pãn Nõçtr' (resultante da fusão do Partĩd' Pãn Mẽu e do Partĩd' Pãn Çẽu) conseguiu a aprovação, com grande apoio da população, da lei que proibia a cópia de pãn frẽç sem permissão de seu fabricante, a título de incentivo para a produção de pão, para o bem de todos. Moderando o sacrifício da sociedade ante o bem comum almejado por seu intermédio, a lei permitia a cópia de pão amanhecido, assim como a cópia até de pão fresco em situações de fome urgente e imprevisível.
União dos Estados de Pãnico, 1º Capítulo, segundo bloco (página 5)
A indústria bem que gostou da ideia de a população se sacrificar para manter seu mercado, mas não confiou que cumpririam a proibição, e por isso aumentou os preços em dez vezes. Passou a usar as máquinas de copiar para reduzir custos: as fornadas, antes abundantes, tornaram-se raras e reduzidas, mas as máquinas, lentas que ainda eram, forçavam os consumidores a esperarem em longas filas por pão já não mais tão fresco.
Claro que, com o aumento de preços, nem todos conseguiam mais comprar a quantidade de pão que desejavam, ou precisavam. Ante a consequente e previsível redução das vendas, a indústria choramingava: “Eu sabia! Eu sabia! Estão copiando!”
De fato, havia quem copiasse. Alguns por necessidade, outros como forma de protesto, outros defendendo ter comprado o direito de fazer nove cópias ao pagar um preço dez vezes maior. Havia até quem copiasse pão para distribuir aos mais necessitados, desafiando a indústria a negar o pão a quem tinha fome e não conseguia mais comprar.
Claro que também houve os que viram uma oportunidade de negócios: compravam o pão que a indústria amassou e copiavam, para então vender o pão fora-da-lei, pãn'e lõ, nas ruas, em locais que vieram a ser conhecidos como pan'elõdromoç.
A indústria perdeu as estribeiras. Ao invés de deixar de produzir pão por achar o incentivo insuficiente, se achou no direito de exigir ainda mais sacrifícios da população. Muita sacanagem vem aí, no próximo capítulo da “União dos Estados de Pãnico”. Não perca!
O Direito de Apreciar (página 6)
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 27º, inciso (1), “toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.”
Imagine que, ao andar na rua, você encontre uma carteira perdida. O correto a fazer é tentar encontrar seu dono para devolvê-la. Se, ao abrir a carteira para procurar um documento de identificação, você tomasse parte do dinheiro que ali encontrasse, negaria ao legítimo dono o usufruto do dinheiro. Dinheiro, como o refrigerante da ilustração, ao se compartilhar, se divide, e cada um fica com apenas uma fração, pois é um bem rival.
Já se encontrasse um poema e o lesse, nada tiraria de seu autor, ou do dono da carteira, porque o compartilhamento de obras culturais, assim como do agasalho da ilustração, não reduz o aproveitamento que cada um pode fazer da obra ou do agasalho. Ler o poema, acidental ou intencionalmente, não viola direito autoral, pois a apreciação privada de uma obra não é um dos direitos reservado exclusivamente ao autor.
Se você continua andando na rua e escuta seu vizinho cantando, não precisa pedir licença a ninguém, nem autor nem vizinho, para apreciar a obra, ou mesmo memorizá-la, para depois cantá-la para si mesmo ou até para seus amigos mais próximos. Não se tratando de execução ou difusão pública da obra, nem havendo edição, publicação ou distribuição de cópias, não há espaço para objeção por parte do autor, com base no direito autoral, pois são essas as modalidades de utilização de obras que dependem de prévia autorização do titular dos direitos autorais.
Se você continua na rua quando começa seu programa de TV favorito, não há com que se preocupar: não há qualquer impedimento legal a gravar o programa em suporte físico, seja fita, DVDRW ou mesmo o permanente DVDR, para assistir mais tarde. A prática do “time shifting”, ou deslocamento no tempo, já foi até alvo de uma disputa judicial nos Estados Unidos (da América), quando o vídeo-cassete ainda era novidade. A Indústria do Pãnico tentou proibir a venda e o uso dessa inovação tecnológica, por imaginar que colocasse em risco seu modelo de negócios. Perdeu o processo, ficando reconhecido o direito a gravar para apreciar depois a obra a que se poderia ter apreciado noutro momento. A indústria, por sua vez, descobriu um novo e lucrativo filão de negócios na venda e aluguel de fitas pré-gravadas.
Hoje em dia, ninguém mais usa aquelas fitas, tornadas obsoletas pelo DVD. Se você aluga um, vai assistir a ele usando um computador. Pode ser um computador de propósito geral, ou um daqueles programados exclusivamente para executar DVDs, chamados DVD Players. Enfim, esse computador lê a informação digital gravada no disco, a decodifica conforme o padrão CSS de embaralhamento de dados por região, separa vídeo de áudio.
Descomprime o vídeo, transformando-o em uma sequência de quadros enviados, em forma digital ou analógica, a um outro computador que chamamos televisor, monitor ou tela. Esse outro computador recebe cada quadro e o armazena numa memória eletro-eletrônica de curta duração, transformando-o num padrão de pontos luminosos na tela. A luz estimula neurônios no fundo da retina, transformando-se em impulsos elétricos neurais.
O primeiro computador também descomprime o áudio, transformando-o numa sequência de amplitudes elétricas que ainda outro computador, chamado amplificador, transformará em onda acústica. Essa onda estimulará uma membrana auditiva chamada tímpano, fazendo vibrar alguns minúsculos ossos do ouvido, que por fim estimulam os neurônios auditivos.
O cérebro combina os impulsos visuais com os auditivos, interpreta a obra, se deleita e possivelmente a deposita, transformada, sumarizada e indexada, na forma de memórias químicas de curta duração, que podem mais tarde ser promovidas a memórias de longa duração. Todos esses processos e transformações constituem “apreciar a obra”, e nenhum deles depende de permissão de ninguém, uma vez que se tenha acesso à obra.
A Indústria do Pãnico quer fazer parecer que se faz necessária autorização inclusive para apreciar privadamente um DVD. É um engano. Se ler com atenção aqueles avisos chatos que os aparelhos em geral não lhe permitem pular, vai perceber que eles afirmam que não é permitida a execução pública, e que usos não autorizados poderão sujeitar infratores às penas da lei. Verdade enganosa, pois pretende fazer acreditarmos no mito de que qualquer uso, inclusive apreciação privada, dependem de sua autorização. E como tem gente que acredita nesse conto!
O Direito de Compartilhar (página 7)
No artigo 19, a Declaração Universal dos Direitos Humanos trata da liberdade de opinião e de expressão, e cita como consequencia do direito a esta liberdade “o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”
Está aí outro direito humano que entra em conflito com a concepção distorcida de direito autoral defendida pela Indústria do Pãnico, mas perfeitamente de acordo com o direito autoral estabelecido em lei.
Se você tem acesso a uma obra, nada lhe impede de compartilhar seu acesso com quem você queira. Se você compra um livro, um CD, um DVD, pode dá-los de presente a quem quiser, sem precisar pedir permissão de ninguém, conforme a lei. Você pode inclusive doá-los a uma biblioteca, que poderá então emprestá-los a quem os queira, também sem precisar pedir permissão de ninguém.
Se direito autoral funcionasse no modelo “pagar pra ver, escutar e ler” que a Indústria do Pãnico quer, nada disso seria permitido. Você seria não só impedido de compartilhar o acesso que tem a obras, difundindo as informações e ideias nelas contidas, mas também seria impedido de receber tais informações de quem lhas quisesse oferecer.
Teria de se preocupar em evitar que seus amigos, ao visitá-lo, tivessem acesso às obras de que dispõe, e poderia ser punido caso lhas emprestasse, ou mesmo se as tomassem emprestado sem seu consentimento. Para evitar esses riscos, teria de policiar suas visitas, ou esconder todas suas obras em cofres fortes. Já imaginou?
Ainda bem que não é assim. Assim como não há lei que impeça o apreciar obras a que se tem acesso, também não há lei que impeça compartilhar esse acesso com quem se deseje: você tem o direito não só executar obras para seus amigos apreciarem, em caráter privado, como também tem o direito de emprestar-lhes suas cópias para que as apreciem, da mesma forma que faria uma biblioteca. São direitos vastamente reconhecidos, mas que a Indústria do Pãnico quer nos fazer crer que não temos, enquanto trabalha para alterar a lei para que desrespeite os direitos humanos; para que, de fato, não os tenhamos.
Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 3)
Após apresentar direitos consolidados que a Indústria do Pãnico vem tentando restringir, a apresentação de “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico” (acompanhe pelos slides com um apresentador de arquivos .PDF) continua com uma porção de outros direitos que são consequência direta dos dois primeiros, e que deixam a Indústria do Pãnico de cabelos em pé.
O Direito de Preservar (página 8)
No artigo 28º, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração”.
Quando se adquire uma cópia de uma obra como livro, CD ou DVD, o custo do suporte físico é insignificante comparado ao preço pago. Diz-se por aí que se está pagando pelos direitos do autor, mas isso não faz o menor sentido. Achar que uma fração significativa do preço é de fato repassada ao autor é fugir da realidade. Além disso, apreciar a obra a que se tem acesso não requer permissão do autor. Conclui-se, daí, que o que se está comprando, de fato, é o acesso à obra, da mesma forma que se paga por um ingresso no cinema.
A própria indústria corrobora essa conclusão: quando o suporte físico se danifica, mesmo fora de qualquer garantia e por erro do consumidor, qualquer fornecedor decente fornece uma nova cópia da obra a preço de custo do suporte físico e do envio, ainda que exija prova de compra e/ou o suporte danificado.
O problema é quando o fornecedor não é decente e o suporte físico se degrada. Há até os que planejam a degradação, para vender o ingresso várias vezes. Por essas e outras é que, até meados dos anos 90, a lei de direito autoral então vigente explicitamente permitia cópias de reserva. Aí entrou em vigor o TRIPS, "acordo" "aceito" por países que não queriam sanções comerciais endossadas pela Organização Mundial de Comércio que o promoveu, à revelia da OMPI onde normalmente se tratava de assuntos de direito autoral, e leis de direito autoral foram revisadas para deixar de permitir explicitamente a cópia de reserva.
Não que tenham passado a proibir... Isso violaria não só os direitos humanos, na medida em que deixariam de ser plenamente efetivos os direitos e as liberdades do artigo 27º inciso (1), como ainda entraria em conflito com a jurisprudência do direito ao deslocamento temporal. Sendo um direito registrar a exibição da obra, sem apreciá-la, para apreciação posterior, a lei não impede que se execute a obra enquanto se a registra noutro meio idêntico, a cópia de reserva, a fim de preservar o acesso, isto é, preservar plenamente o direito de fruir daquela obra.
Pensando bem, nem precisaria ir tão longe... Há pleno direito de registrar as obras na própria memória, e somos ensinados desde pequenos que registrar nossas memórias em meios permanentes, para evitar perdê-las, é uma boa prática. E no dia que inventarem uma maneira de fazer cópia de reserva da memória no cérebro, ou de expandir a memória através de dispositivos externos conectados ao cérebro? Vão querer proibir? Será que vão lembrar do que eu escrevi aqui?
O Direito de Converter (página 9)
O mesmo raciocínio, e a mesma plenitude de direito, se aplica a suportes físicos cuja vida útil se aproxima do fim. Discos de vinil e fitas K7 foram meios bastante populares de registrar obras e vender acesso a elas, mas hoje em dia é difícil encontrar dispositivos capazes de executá-las, sem contar o desgaste do próprio disco ou fita.
O direito de preservar o acesso, através do deslocamento temporal, não faz qualquer menção ao tipo de suporte físico empregado. Como se poderia executar a obra, tantas vezes quantas se quisesse, em seu suporte físico original, a lei não impede que se a execute, tantas vezes quantas se quisesse, não para apreciação imediata, mas para registro noutro meio qualquer, noutro formato qualquer, para apreciação posterior.
A única razão para supor que as obras deveriam ficar aprisionadas ao suporte físico original é o desejo da Indústria do Pãnico de vender o mesmo acesso novamente. Não vamos cair nessa, não vamos deixar que ela desrespeite nossos direitos. Se você pagou pelo acesso a uma obra, não há justificativa para que não possa apreciá-la em sua casa, seu carro, ou até na rua, com um reprodutor portátil de áudio e/ou vídeo, até no relógio.
Compartilhar + Preservar (página 10)
E se sua amiga pede um DVD emprestado, mas o cachorro dela é famoso por seu gosto por DVDs? Vai deixar de emprestar o DVD pra amiga só por causa disso? Não!, né? Pode fazer uma cópia de reserva, conforme o direito reconhecido de deslocamento temporal e o consequente direito de preservar seu acesso, e aí, pode emprestar pra ela o original. Ou a cópia.
E se ela não houver assistido ao filme no dia que combinou de devolvê-lo, não há problema: ela também, tendo recebido acesso à obra, pode deslocar sua apreciação para o futuro, fixando uma cópia do que poderia apreciar imediatamente para apreciação posterior. Ou, sabendo que você lhe emprestou uma cópia de reserva, ela poderia muito bem não devolver.
De fato... Ela guardar cópias de reserva das obras que você tem, e você guardar cópias de reserva das que ela tem, é uma ótima maneira de preservar acesso mesmo em caso de uma grande tragédia na casa de um dos dois. E, assim como se podem fazer e transmitir as cópias de reserva em suporte físico tangível, também se poderiam fazer através da Internet. Cada um dos dois guarda uma porção do seu disco rígido para o outro guardar cópias de reserva, e pronto! Se o computador de um explodir, o outro tem cópia de tudo.
Mas quem caiu no conto da Indústria do Pãnico pergunta: e pode? Ué, por que não poderia? Você tem direito de fazer cópias de reserva para preservar seu acesso e tem direito de guardá-las onde quiser. Não precisa nem se preocupar em criptografar suas cópias de reserva, pois não tem obrigação de policiar quem tem acesso às obras; muito pelo contrário, tem todo o direito de conceder aos seus amigos acesso a elas, desde que não através de execução ou difusão pública.
Baixar e Subir Arquivos (página 11)
Você vai sair de viagem, e quer levar uns artigos pra ler, vídeos para assistir, música para escutar, fora os slides da apresentação que vai fazer. Carrega tudo no computador portátil, mas aí vem o medo: e se for roubado? E se a imigração ou a alfândega resolverem confiscar o computador, suspeitando que contém informação terrorista?
Por essas e outras, antes de sair de casa, você faz uma cópia desses arquivos todos no seu sítio na rede, e deixa eles lá, quietinhos, para o caso de precisar. Não falo de anunciar para o mundo que estão lá, apenas de deixar uma cópia disponível, para poder acessar de um cibercafé se precisar. Somente preservar acesso.
Do aeroporto, você lê o e-mail daquela sua amiga, pedindo uma cópia do artigo que você mencionou outro dia. Não ia dar tempo de mandar o arquivo todo antes de desligar o computador para o embarque, o voo é longo e ela tem urgência. Bom, pra executar uma obra, como um DVD, pro seu amigo, como permitido por lei, ela passa de um computador para outro (DVD player pra TV), e não há qualquer menção na lei à distância entre eles, ou quantos outros equipamentos estejam no meio. Se até dinheiro pode ser transmitido pros amigos via Internet, por que não um artigo? Manda a URL do artigo no seu sítio pra ela!
E se ela repassar a URL adiante, e vários amigos seus acabarem baixando o arquivo do seu sítio? É certo que nem eles nem você estejam fazendo nada de errado, mas será que há alguma ilegalidade? Não há obrigação sua de policiar quem tem acesso ao sítio. Receber obras não é violação de direito autoral, nunca foi e, salvo grandes desastres jurídicos, nunca será. Conceder acesso aos amigos, também não.
Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 4)
Dando continuidade à apresentação de direitos que são consequência de direitos já consolidados em lei e na declaração dos direitos humanos, acompanhe as possibilidades para preservar obras culturais em redes P2P, na apresentação de “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico” (acompanhe pelos slides com um apresentador de arquivos .PDF).
O Direito de P2Preservar (página 12)
Foi discutida anteriormente a legalidade de fazer cópias de reserva para reservar o acesso a obras culturais, e manter cópias de reserva nos computadores de seus amigos, inclusive via Internet. Funciona tão bem esse sistema que, quando você e sua amiga, que mantinham cópias de reserva um para o outro, descobrem que existe uma rede P2P para manter cópias de reserva, vocês logo a adotam.
A rede é melhor que o sistema de cópias que vocês mantinham, pois garante mais redundância: cada arquivo é mantido nos computadores de várias pessoas, até para que, se alguém sair da rede, a cópia de reserva não se perca.
Naturalmente você não confia em todos os membros da rede da mesma forma que confia em sua amiga, por isso provavelmente deixará de fazer cópia de informações pessoais nessa rede, ou as manterá criptografadas.
Mas arquivos que você não teria problema algum em compartilhar com seus amigos, esses você simplesmente copia para a pasta de cópias de reserva. Assim, se você e seus amigos quiserem fazer cópia de reserva na rede de arquivos idênticos, como uma mesma canção ou um mesmo filme, a rede perceberá e poderá economizar espaço mantendo menos cópias do arquivo.
De novo, você não é obrigado a policiar quem tem acesso às cópias de reserva, pois você tem todo direito de conceder acesso a quem bem entenda. Então, se algum membro da rede de cópias de reserva achar algo de interesse no espaço que ele reservou para manter cópias para outros membros da rede, não há problema algum. Ele pode até mesmo escrever para você agradecendo por lhe conferir acesso à obra, e assim você faz um novo amigo.
O Direito de P2Participar (página 13)
Na manhã seguinte a uma longa noitada de trabalho, você percebe que apagou sem querer sua cópia de uma de suas canções favoritas. Recorre à rede de cópias de reserva, e fica impressionado com a velocidade com que foi restaurada. Investigando o que aconteceu, você descobre que outra pessoa tinha cópia do arquivo, e que, por coincidência, seu computador foi escolhido ao longo da noite para armazenar cópia de reserva para ela.
Enquanto investigava, você percebeu que guardava cópias de reserva de várias outras canções para essa mesma pessoa. Muitas delas estão também entre suas favoritas; outras, que você não conhecia, acabam entrando na sua lista de favoritas. Você escreve ao amigo de gosto parecido agradecendo pelo acesso às canções, compra CDs do artista que não conhecia, e gosta tanto do serviço oferecido pela rede que passa a usá-la para fazer cópia de reserva de todos os CDs e DVDs que compra.
Já foi discutido por que é legítimo armazenar cópias de reserva para preservar seu acesso mesmo em caso de tragédias habitacionais ou digitais, assim como conceder aos seus pares o acesso que tenha a obras culturais.
Há quem questione, porém, a legitimidade de transferir as réplicas mantidas na rede entre um par e outro. Por exemplo, se você está mantendo cópia para um dos pares e a rede decide que é necessário fazer mais cópias, porque outros pares que as mantinham abandonaram a rede, seria legítimo seu computador transferir as cópias para os computadores de outros pares na rede?
Não há diferença entre esse caso e o caso de um provedor que mantém um cache de arquivos solicitados por vários de seus clientes. O provedor não precisa de permissão de ninguém para oferecer aos clientes esse serviço, recebendo as requisições de baixar arquivos, obtendo-os junto aos respectivos servidores, e a partir dali transferindo a quem solicite o mesmo arquivo uma cópia do que mantém no cache. Como poderia haver algo de ilícito nesse tipo de atividade? Poderia uma telefonista ser considerada criminosa por conectar assinantes do serviço telefônico, considerando que não tem sequer obrigação de saber a respeito de quê conversam?
Mesmo quando se sabe o que está sendo transmitido, há pouco espaço para alegação de responsabilidade civil ou criminal. Por exemplo, se a rede P2P exige que você retransmita o arquivo como condição para que possa recebê-lo ou mesmo participar da rede, você aceita essa condição antes de saber o que de fato está recebendo ou transmitindo. Mesmo depois que soubesse, recusar-se a retransmitir o arquivo, por qualquer receio que tenha, não evitaria que outros recebessem cópias da rede, como você recebeu. Fato é que alguém adicionou o arquivo à rede, e esse alguém tinha todo o direito de pedir à rede para manter cópias de reserva e de conceder aos amigos acesso ao arquivo. Como esse alguém tem todo o direito de fazer essas coisas, não faz sentido achar que haja mal, ou ilícito, em ajudá-lo.
A Desumana Indústria Editorial (página 14)
Mas entra a indústria editorial, brandindo seus sabres de luz negra e citando também a Declaração Universal dos Direitos Humanos para tentar fazer parecer que há algo de errado ou ilícito no exercício dos direitos pleiteados acima. De fato, o artigo 27º, inciso (2), estabelece que “todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria”.
Mas a citação provém da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não dos direitos da indústria que afirma representar os interesses dos autores, mas em verdade os explora tanto quanto ao restante da sociedade. Indústria que se vale de medidas técnicas (Gestão Digital de Restrições, DRM) e jurídicas (contratos restritivos tais como EULAs) para desrespeitar direitos humanos explicitamente reconhecidos por lei, para ir muitíssimo além dos poderes de exclusão conferidos pelas leis de direito autoral.
Mesmo o autor, que é humano, não poderia se valer desse inciso para impedir a cópia pessoal e o compartilhamento de acesso entre amigos, já que essas atividades, não comerciais por natureza, não geram interesses materiais de cuja proteção trata o inciso.
O fato de que hoje dispomos de Fantásticas Máquinas de Copiar obras em formatos digitais, e que temos todos o direito humano de participar nos benefícios do progresso científico que nos propiciou computadores, gravadores de CDs e DVDs e a Internet, assim como as possibilidades de preservar obras a que temos acesso para poder fruir as artes, receber e difundir informações e ideias nelas expressas por quaisquer meios.
Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 5)
Antes do segundo capítulo cheio de sacanagem da “União dos Estados de Pãnico”, mais um trecho da apresentação de “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico” (acompanhe pelos slides com um apresentador de arquivos .PDF).
Subvertendo a lei (página 15)
Há um esforço organizado em curso para subverter diversas leis criadas originamente para beneficiar a sociedade, cooptando-as para promover interesses antagônicos aos da sociedade, bem embaixo dos nossos narizes. Confundem assuntos tão díspares como marcas, patentes e direitos autorais, cada qual com justificativa social e funcionamento completamente diferentes, num termo que faz alusão a propriedade, tentando induzir, além de confusão entre essas noções distintas, ao pensamento por analogia com propriedade sobre bens materiais, tangíveis e rivais, apesar de o substrato dos assuntos tratados ser imaterial, intangível e não-rival. Analogia inadequada para confundir e enganar.
Marcas, por exemplo, foram introduzidas como forma de proteção ao consumidor, para que o consumidor possa estabelecer uma relação de confiança com fornecedores, incentivando fornecedores a oferecer produtos e serviços de qualidade, concedendo-lhes mecanismos para impedir a oferta de produtos de qualidade inferior fazendo-se passar pelos seus. Ganha o consumidor, ganha a sociedade. Até que começaram a usar a prerrogativa da exclusividade no uso de marcas não como indicador de qualidade, mas como mecanismo anti-concorrencial, integrando marcas no desenho de produtos como forma de impedir a comercialização de produtos visualmente indistinguíveis, como uniformes e materiais esportivos comemorativos. Com menos concorrência, a sociedade perde.
Já patentes foram introduzidas para acelerar o progresso científico e tecnológico, incentivando inventores a publicarem suas invenções com aplicação industrial que, de outra forma, poderiam ser mantidas secretas a fim de preservar a vantagem produtiva que conferem ao inventor. O incentivo é preservar juridicamente a exclusividade no uso industrial, a despeito da publicação do segredo, e mesmo que haja reinvenção independente. Não sendo provável a reinvenção independente, ganha a sociedade, daí os critérios (hoje fracos demais) de exigência não obviedade. O objetivo, vale realçar, nunca foi proporcionar ao inventor uma forma de receber remuneração pela invenção, ou de recuperar os inventimentos em pesquisa que levaram a ela, como argumentam os que defendem a noção de propriedade aplicada a ideias. A sociedade não tem obrigação alguma de propiciar-lhe modelos de negócio ou conceder-lhes exclusividade sobre ideias. Com patentes, busca-se nada mais que incentivar a publicação de invenções com aplicação industrial, para benefício da sociedade, minimizando o sacrifício necessário para alcançá-lo.
Direito autoral, por sua vez, foi criado para incentivar a publicação de obras literárias, tendo sido depois generalizado para outras criações do espírito fixadas em suporte físico. Nasceu no contexto de um cartel editorial, um oligopólio que controlava todas as poucas e caras prensas tipográficas na Inglaterra até o final do século XVII. Escritores não encontravam condições favoráveis para publicar suas obras literárias, que assim permaneciam inéditas. A fim de redistribuir o poder excessivamente concentrado no cartel, a sociedade viu por bem conceder maior poder de barganha aos autores, a fim de que mais obras viessem a ser publicadas, para benefício da sociedade. O sacrifício social para alcançar esse benefício era a concessão de algumas exclusividades aos autores sobre atividades antes controladas exclusivamente pelo cartel editorial. Obter melhores condições de barganha para o autor, portanto, nunca foi o fim do direito autoral, ao contrário do que argumentam hoje os oligopólios editoriais que concentram os direitos autorais destinados a enfraquecê-los em favor dos autores, mas o meio para disponibilizar mais obras para uso por toda a sociedade, ainda que após um curto (hoje longuíssimo) período de sacrifício (hoje descabido) da sociedade. Sacrifício descabido não só porque deixou de cumprir o papel de conter o poder exagerado do oligopólio editorial, como lhe forneceu meios de manter o controle editorial a despeito das formas muito mais democráticas e acessíveis hoje disponíveis para que autores ofereçam suas obras à sociedade sem intermediários.
Notam-se as diferenças cruciais entre objetivos e mecanismos adotados: marcas podem ser mantidas indefinidamente exclusivas num segmento de mercado, e podem ou não exigir registro dependendo da jurisdição; patentes exigem registro sempre e oferecem poder de exclusão ao uso industrial durante 20 anos, mas somente nas jurisdições em que tenham sido registradas; direito autoral independe de registro e oferece poder de exclusão à modificação, edição, distribuição, publicação, difusão e execução pública em praticamente todo o mundo, por um prazo que varia de uma jurisdição a outra, mas globalmente maior que os 14 anos de sua acepção original.
Confundindo assuntos tão distintos, com justificativas sociais tão diferentes, e distorcendo-os sob um prisma mesquinho e anti-social, conseguiram-se transformar sacrifícios vantajosos para a sociedade em Privilégios Impróprios, hoje defendidos com armas técnicas, jurídicas e legislativas, como se fossem direitos naturais incontestáveis, ao invés de concessões do povo, pelo povo e para o povo.
Enquanto essa máquina de ilusionismo avança a todo vapor sobre a sociedade, não só não conseguimos reinstaurar justiça na lei, como ainda perdemos mais terreno. Não logrando mudar as regras injustas do jogo, podemos ao menos abrir mão dos poderes de exclusão concedidos por lei, conferindo à sociedade os direitos que as leis teimam em apropriar. Para isso, utilizamos licenças, isto é, concessões unilaterais das permissões hoje exigidas por lei para desempenhar atividades que a lei deveria permitir, e até já permitiu. Surgem assim movimentos de Cultura Livre, que adotam modelos de licenciamento não oneroso e permissivo, seguindo princípios éticos e morais delineadas no movimento Software Livre originado no projeto GNU.
Ao invés de simplesmente abrir mão do poder de exclusão a fim de respeitar as liberdades e direitos do próximo, introduziu-se pelo movimento Software Livre a prática do copyleft, o uso do poder de exclusão do copyright não para desrespeitar as liberdades do próximo, mas para que usos que não respeitem as liberdades de terceiros sejam proibidos pela lei, enquanto licenças copyleft, como a GNU GPLv3, concedem permissão suficiente para usos que as respeitem.
Com essas práticas, desfaz-se a sombra dos privilégios impróprios que obscurece as obras publicadas sob restrições injustas, e até se consegue evitar a injustiça em obras derivadas conforme os ditames da lei, porém, apesar de alguns bons usos o poder de exclusão e da possibilidade de sua anulação pontual, o mal maior permanecerá até que esse poder injusto seja extinto, ou ao menos revisto para termos justos.
Não que a extinção desses privilégios injustos vá, por si só, resolver o problema. A própria Indústria do Pãnico não crê que esse poder de exclusão seja suficiente, e por isso mesmo recorre a medidas técnicas (DRM) e a contratos de venda restritivos (EULAs), ambos marcadamente presentes no Cavalo de Tróia mais famoso já lançado pela Microsoft, para ir muito além dos poderes de exclusão concedidos pela lei. Poderia, portanto, utilizar esses mecanismos para obter os mesmos efeitos daninhos que pretende alcançar através de direito autoral somado a esses mecanismos, mas pelo menos não exigiria esforços dos autores para respeitar o próximo, nem geraria prejuízo social na medida em que obras se perdem ou deixam de ser reutilizadas por receios jurídicos ou dificuldades de encontrar o titular que poderia conceder as permissões exigidas por lei.
Intervalo
Não perca, amanhã, o segundo capítulo da “União dos Estados de Pãnico”, com sacanagem como você nunca viu, ou melhor, como gostaria de nunca ter visto.
Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 6)
Com vocês, o segundo capítulo, cheio de sacanagem, da “União dos Estados de Pãnico”, uma novela em que qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência, em mais um trecho da apresentação de “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico” (acompanhe pelos slides com um apresentador de arquivos .PDF).
União dos Estados de Pãnico, 2º capítulo (página 16)
No capítulo anterior, vimos como as pessoas que viviam em Pãnico decidiram fazer sacrifícios no uso da Fantástica Máquina de Copiar, a título de incentivo à produção de pão, e como a Indústria do Pãnico, adotando práticas abusivas por desconfiar que a sociedade não cumpriria o sacrifício, acabou tornando sua desconfiança realidade.
Achando-se no direito de exigir cada vez mais incentivo, cada vez maiores sacrifícios da sociedade, passou a financiar legisladores a fim de aprovar leis mais draconianas.
Embora a cópia não autorizada caracterizasse originalmente um mero ilícito civil, o que dava margem à indenização ao fabricante, foi transformada em crime punível com prisão, como se constituísse ameaça a toda a sociedade. A cópia para consumo pessoal foi codificada como crime de pandurĩçmo, enquanto a cópia para compartilhar com terceiros, suposta para fins de comércio de pãn'e lõ, tornou-se crime de panratẽio. A indústria adotou slogans como “panrateãr ẽ rõubo!”, e a população em Pãnico nem notou que não fazia sentido, pois ao copiar não se perdia o usofruto original, privação essencial para caracterizar roubo.
Apesar de todo o poder da indústria, seus esforços legislativos não davam resultados tão rápidos quanto gostaria, por isso adotou uma prática que lhe conferia mais controle, independentemente de aprovação de leis. Ao invés de vender os pães, passaram a vender licenças de consumo, em que o pão continuava pertencendo ao padeiro, mas valendo-se de contratos de licença firmados com o comprador para impor ao comprador restrições ainda maiores, tais como abrir mão das exceções de cópia permitida estabelecidas em lei, determinar que tipos de ingredientes poderiam ser comidos junto ao pão e até proibir a publicação de informações negativas a respeito do sabor do pão.
Mas como o judiciário também não respondia com a eficiência que a indústria desejava, partiu para medidas técnicas, que impediriam o descumprimento de seus caprichos. Começou com o uso de ingredientes secretos no pão para que ele ficasse duro e inaproveitável antes do fim do prazo de frescor estabelecido em lei, de forma que, quando a cópia fosse permitida por lei, já não teria mais utilidade. A despeito desse “avanço tecnológico”, continuou pressionando legisladores para que estendessem o prazo de frescor.
União dos Estados de Pãnico, 2º capítulo, segundo bloco (página 17)
Para conter a insatisfação da população com a acelerada degradação do pão, lançou-se uma campanha de controle de danos de relações públicas, para tentar fazer crer que os ingredientes que faziam o pão estragar mais depressa eram saudáveis e saborosos, até mesmo benéficos. Só não explicavam para quem era o benefício, ao contrário, dando a entender com nomes pomposos e enganosos como Demokrãty Resẽh'v Mãssæ (DRM), que o benefício seria da população.
Mas não... No arcabouço de “reserva” do DRM, que nada tinha de democrática, incluía-se também a adição de ingredientes que a indústria descobriu que as Fantásticas Máquinas de Copiar não copiavam corretamente, de tal modo que as cópias ficavam intragáveis, impróprias para o consumo.
Há até rumores de que foi a própria Indústria do Pãnico que ofereceu subsídios para que a população substituísse as máquinas de copiar de primeira geração, analógicas e lentas, por máquinas digitais de alta definição, que incluíam detectores de pão fresco e permitiam à indústria monitorar, atualizar e controlar o comportamento das máquinas à distância.
Toda essa parafernália restritiva, a pesquisa para desenvolver novas técnicas antes que a população descobrisse como contornar as anteriores, sem contar as propinas legislativas e judiciárias, custavam muito à indústria, e por isso os preços do pão dispararam, e as pressões para preservar esse modelo de negócios só faziam aumentar.
Sem conseguir pagar pelo alimento, grande parte da população passava fome e foi às ruas reclamar, como fazia em épocas de seca, quando a indústria aumentava os preços e a população saía às ruas com cartazes maldizendo os responsáveis pelo aumento. A expressão que usavam nos cartazes desde o início dos tempos, “pãn'k demõniu”, foi o próximo alvo da manipulação pública perpetrada pela indústria: reduziram o protesto a “coisa de baderneiros”, ou “pandemõniu”, palavra que mantém até hoje essa conotação.
Com os protestos ridicularizados e a sociedade aterrorizada, comendo o pão que a indústria amassou, as ameaças da indústria foram ganhando cada vez mais espaço, à medida em que a sociedade não resistia.
Mas nem tudo está perdido. Conheça, no próximo capítulo, um líder filosófico que revolucionou a produção de pão defendendo liberdades essenciais para todos.
Pela Abolição da Cultura do Pãnico
Abrindo um parêntese na série “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico”, vou apresentar algums pensamentos meus relativamente recentes a respeito do direito autoral, inclusive alguns posteriores aos artigos em que se baseia a palestra, tanto o sobre direitos humanos quanto o outro, ainda inédito, a ser publicado em livro organizado pela Comunidade Sol, que trata de licenciamento de obras culturais mas é temperado com a novela “União dos Estados de Pãnico”. Aproveito para agradecer à Comunidade Sol pela oportunidade de participar do projeto do livro e pela contribuição que fez à Fundação Software Livre América Latina.
Há anos, eu tenho entendido o direito autoral em sua concepção original de incentivo à publicação de obras. Embora venha sofrendo transformações tão significativas quanto lamentáveis, pois que o distanciam do bem comum que toda lei deveria almejar, é notável o fato de que se tornou insuficiente para a própria indústria editorial, à qual eu carinhosa e metaforicamente me refiro como Indústria do Pãnico.
A adoção de mecanismos tanto jurídicos quanto tecnológicos que excedem os privilégios concedidos a autores por meio da legislação de direito autoral é hoje prática comum. DRM, a gestão digital de restrições, e a Tivoização, usada em geral para implementar DRM com Software ex-Livre, são dois exemplos de medidas técnicas usadas para impor não apenas as restrições estabelecidas na legislação, senão também quaisquer outras que se possam imaginar e codificar. Na linha jurídica, a adoção de contratos de lacre (shrink-wrap) e de acordos com usuário final (EULAs) implementados através de cliques do mouse em sítios e programas de instalação, também tem gerado obrigações contratuais além das estabelecidas no direito autoral.
O fato de ambas as formas estarem em largo uso, se sobrepondo integralmente ao direito autoral e indo além dele, é demonstração cabal da ausência de necessidade do direito autoral, tanto para seu fim, o incentivo à publicação de obras, quanto para o meio, de conferir um monopólio temporário e limitado aos autores, durante o qual, se teorizava, grande número deles se valeria do poder de exclusão monopolístico para monetizar (bingo!) o incentivo concedido pela sociedade.
Ocorre que, independente de qualquer legislação, autores dispõem de acesso exclusivo à obra assim que ela é criada, e podem se valer dessa exclusividade para obterem remuneração por seu trabalho, assim como em todos os trabalhos que produzam bens, tangíveis ou não. Nada impede que implementem, através de medidas técnicas ou contratuais, modelos de negócio equivalentes aos que anteriormente se baseavam em direitos autorais, e que hoje em dia utilizam canhões mais poderosos.
Mas então, se daria no mesmo com ou sem direito autoral, pra que mexer? Porque, embora possa dar no mesmo em relação a uma determinada obra, cujo autor escolha um modelo de negócios baseado no direito autoral ou equivalente técnico-contratual, para todas as demais obras deixaria de existir o manto de medo (se preferir, Pãnico) que impede ou dificulta a produção cultural, quando não se consegue encontrar o titular que poderia conceder permissão para uma adaptação, derivação, remix ou reaproveitamento.
Pior ainda, a restrição por padrão também propicia à Indústria do Pãnico uma ferramenta poderosa para preservar o controle sobre os meios de divulgação (na dúvida, não publique, e la garantía soy yo), para justificar leis cada vez mais draconianas para resolver o “problema” da “pirataria”, para descontar do pagamento aos autores custos cada vez maiores de policiamento, de corrupção de legisladores e judiciários, de sustentação de campanhas de distorção da lei, da realidade e da noção de certo e errado (ajudar o próximo, compartilhar virou do mal). Custos que, embora descontados da remuneração dos autores, são pagos pela sociedade, em afronta semelhante a cobrar da vítima a conta da energia elétrica utilizada para torturá-la.
Tudo isso sem falar das campanhas de extorsão judiciária, baseadas inteiramente na cultura do Pãnico. Juram que é para beneficiar o autor, mas alguém crê que algum centavo do que pagam os acusados em acordos extra-judiciais, ou mesmo em reparação ou multas por violação de direito autoral, chega às mãos dos autores pagos por cópia vendida legalmente? Se todos os demais males acima permanecerem possíveis com a extinção do direito autoral, mas este cair por terra, já terá valido a pena. Se diminuir o receio de compartilhar e criar obras, melhor ainda.
Por isso recentemente me transformei de alguém que tolera o direito autoral, apesar de toda a mentirataria que o cerca, a defensor de sua abolição, a partir da constatação de que direito autoral (patrimonial) não vale a pena e induz a uma divisão do bolo que privilegia a Indústria do Pãnico, em detrimento tanto da sociedade quanto dos autores.
E se, ao contrário de proteger, direito autoral aprisiona obras e as subjuga a interesses mesquinhos, sua extinção seria uma possibilidade de libertá-las da servidão. Embora a extinção imediata desse poder de exclusão possa parecer tão inatingível quanto a abolição da escravatura um dia foi, por retirar privilégios já concedidos a quem pouco se preocupa com direitos humanos, faz sentido começar por discutir um análogo à Lei do Ventre Livre, assim como adaptações à lei dos Heptagenários (após a morte do autor) para prazos mais compatíveis com a realidade ciberfrenética.
Quando Richard Stallman, pai do Software Livre, sugeriu um prazo de vigência de 10 anos, num debate sobre direito autoral, Cory Doctorow, conhecido autor canadense de ficção científica, retrucou indignado que qualquer prazo acima de 5 anos seria um absurdo, pois quase nenhuma obra é exploradas comercialmente por mais de 2. Isso, vindo de alguém que ganha a vida a partir da própria produção cultural, e que é supostamente beneficiado pela legislação vigente, é claro indício de que há algo de podre no discurso mesquinho da Indústria do Pãnico.
Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa (parte 7)
Completando a apresentação de “Copiar e Compartilhar em Legítima Defesa: Sociedade versus Indústria dos Estados Unidos de Pãnico” (acompanhe pelos slides com um apresentador de arquivos .PDF), oferecem-se sugestões sobre o combate a leis injustas em vigor e em processo de discussão nos legislativos de todo o mundo. E logo mais, o terceiro capítulo da novela “União dos Estados de Pãnico”.
Depenando a lei (página 18)
Reza o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.”
Para quem está acompanhando os desmandos judiciais na Suécia, como parte do julgamento dos humanos por trás de um dos maiores sítios de busca de informações a respeito da localização de obras culturais na Internet, é gritante a violação de direitos humanos. Não só da liberdade de expressão, os direitos humanos de procurar, receber e difundir informação em qualquer meio (nem me refiro aqui às obras, mas sim à sua localização), mas também do direito a um julgamento imparcial. Como pode o juiz apontado para o julgamento ser membro de uma associação que promove a posição ideológica diametralmente oposta à dos réus? Como pode a juíza encarregada de avaliar se havia parcialidade ser membro da mesmíssima associação? Como podem o corpo de juízes apontados para substituí-lo nessa avaliação ter vínculos com os advogados dos demandantes? Se o rolo compressor que aprovou o OOXML é algum indício do poder de corromper e da falta de escrúpulos do hall da chama (do inferno) da indústria editorial, essa história não vai acabar bem, e danem-se os direitos humanos.
Mas enquanto houver esperança de justiça, deve haver espaço para a defesa dos direitos humanos, tanto lá quanto cá. De fato, defender a justiça e os direitos humanos não é só um direito, mas também uma obrigação moral e social de todos. A desobediência civil é por vezes o único recurso disponível a cidadãos de bem para resistir a leis injustas e promover transformações sociais. Não por acaso, a lei estabelece uma série de casos de exclusão de ilicitude, conferindo aos cidadãos meios para batalhar pelo respeito aos direitos próprios e alheios.
Um dos casos dignos de menção é o exercício regular de direito: mesmo que haja estipulação de pena para um determinado ato, havendo lei civil que estabeleça o ato como direito, não há ilícito, crime ou pena. Esse caso pode se tornar particularmente importante caso sejam aprovados projetos de lei secretos de vigilância e autoriterrorismo na Internet, sendo empurradas em todo o mundo ainda sob os ecos das ameaças terroristas do 11 de setembro de 2001 e o falso pretexto de combater a pedofilia virtual, inclusive no Brasil, mas a ausência de lei civil estabelecendo direitos fundamentais no ciberespaço, onde haja vácuo jurídico para justificar a invalidação de direitos análogos no mundo real, vai dar margem a condenações perigosas para a sociedade.
Outro caso de exclusão de ilicitude digno de menção é a legítima defesa, caracterizada por repelir injusta agressão a direito próprio ou alheio, através do uso moderado dos meios necessários. Ora, se restrições técnicas, leis penais que as apóiem, ou mesmo outras ameaças e restrições baseadas em leis penais quaisquer forem utilizadas para cercear os direitos humanos discutidos ao longo desta apresentação, trata-se de injusta agressão a direito, situação que justifica a legítima defesa. O próprio exercício regular do direito que a medida técnica ou lei penal buscava cercear constituiria legítima defesa e, por não superar o próprio exercício do direito garantido por lei civil, dificilmente poderia ser considerado um excesso na legítima defesa.
Dispondo desses recursos, enquanto prevalecerem o estado de direito o o respeito aos direitos humanos, ainda há esperança de depenar as leis injustas.
União dos Estados de Pãnico, 3º capítulo (página 19)
No capítulo anterior, a Indústria do Pãnico aprontou fez sacanagem que é difícil acreditar que se pôde transmitir o episódio nessa faixa de horário... Mas se você espera outro capítulo na linha de Pantanãl, pode tirar o cavalinho da Ana Raio da chuva, porque este capítulo vai abordar muito mais a ética, a moral e os bons costumes.
No longínquo 1983º ano do nascimento do messias filho de T'pãn, o físico, padeiro e ativista de direitos humanos Rĩtx M. Çtãlman, mais conhecido como RMÇ, desgostoso com o rumo que a indústria do Pãnico tomava, decidiu que não queria mais fazer parte dela, mas que podia fazer algo melhor.
Deixou seu emprego no Maç'txũç'tç Ĩnst'tut'd Pãn (MIP), para evitar que seus planos fossem frustrados pela direção da instituição, e convidou padeiros de bem de todo o mundo a se unirem a ele no projeto de escrever um conjunto de receitas de pão suficiente para que ninguém mais precisasse aceitar o desrespeito às liberdades e comer o pão que a indústria amassou. Chamou o projeto de PNŨ, Pãn Nõçtr' Ũnk'çilin', usando o prefixo de negação “Ũnk” para contrastar com o jeito antiquado de fazer pão sem respeito à liberdade do consumidor. (Çilĩn, se você lembra do primeiro capítulo, tem os significados de preso e de velho, duro.)
Para levantar fundos para o projeto PNŨ, Rĩtx estabeleceu a Fundaçiõ Ço'pãn Frẽç (FÇF, Fundação para o Pão Livre), e publicou a definição de Pãn Freç. Pão é Livre quando o usuário tem 4 liberdades essenciais: (0) de comer o pão como, quando e com que queira; (1) de estudar a receita do pão (para isso deve poder obtê-la) e adaptá-la de acordo com suas necessidades e preferências; (2) de copiar o pão e a receita e distribuir cópias idênticas quando queira; e (3) de melhorar a receita e distribuir suas melhorias quando queira.
União dos Estados de Pãnico, 3º capítulo, segundo bloco (página 20)
Para evitar que a Indústria do Pãnico desrespeitasse as liberdades essenciais usando versões modificadas das receitas de PNŨ, inventou o copylẽft, a prática de respeitar as liberdades sem conceder permissões suficientes para o desrespeito às liberdades de terceiros, e o implementou na PNŨ Gen'rãl Pũblik Liçẽnç.
Foi um enorme sucesso. Muitíssimos padeiros se uniram a ele. Alguns porque eram hackers, no sentido original, de gente que quer entender como as coisas funcionam, não no sentido destrutivo que a Indústria do Pãnico tenta lhe conferir. Outros porque perceberam uma excelente oportunidade de negócios, tanto na venda de pão cotidiano quanto em projetos específicos. O pão cotidiano, commodity, podia ser fabricado e vendido a um grande número de clientes por preços suficientemente acessíveis, de forma que as pessoas preferiam pagar a ter o trabalho de fazer ou mesmo copiar o pão elas mesmas. Ainda assim, era suficiente para cobrir os custos e até obter algum lucro. Já os clientes com necessidades ou desejos especiais se mostravam dispostos a pagar um pouco mais pelo trabalho criativo envolvido na concepção e implementação de projetos inovadores de pão. A inovação, uma vez paga pelo contratante, era via de regra liberada para todos, acrescentando ao corpo de receitas em que todos se baseavam, de modo que todos recebiam dos demais contribuições muito maiores que as que conseguiam dar, podendo se diferenciar em cima de uma base comum de receitas cada vez melhores. Os consumidores, por sua vez, sentido-se respeitados, satisfeitos e livres, não tinham de que reclamar, e aqueles que superavam a campanha de Pãnico, Incerteza e Dúvida da indústria de Pãnico não voltavam atrás.
Essa história tão bonita foi registrada numa biografia de RMÇ, intitulada “Frẽç à'lã frẽçn”, uma frase muito usada por ele para explicar que o frẽç do Pãn Frẽç tem a ver com liberdade, não com o outro sentido da palavra freç.
Uma ideia tão genial, ainda mais rica que a invenção do pão fatiado, daria um belíssimo último capítulo. Infelizmente a história não termina aqui, e a Indústria continua aprontando das suas, tentando cercear as liberdades dos habitantes e lhes impor sacrifícios cada vez maiores.
Os próximos capítulos, eu não sei, ninguém sabe, porque cabe a nós, juntos, escrevermos o resto da história. Será com nossas atitudes, com nossa rejeição aos desrespeitos e abusos que nos tenta impor a Indústria do Pãnico, com nossa resistência pacífica aos mesquinhos ataques de terror por ela lançados e com a determinação de construir um mundo melhor e mais justo que poderemos dar a esta história um final feliz.
Sugestão (página 21)
Por isso, deixo o pensamento de um dos maiores pacifistas e ativistas pela liberdade e pelos direitos humanos. Dizia Gandhi que “deves ser a mudança que desejas ver no mundo”, e por isso fiz a sugestão da FÇFLA: “Çẽ Frẽç!”, ou “Sê Livre!”.
Considerações Finais
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer aos organizadores do evento e aos meus companheiros de blog pela oportunidade de participar deste debate. Foi muito enriquecedor para mim, espero que tenha sido para os demais participantes das discussões, ou mesmo para quem as tenha acompanhado silenciosamente.
Após muitos posts tratando do tema do direito autoral, eu pretendia, neste último post, tocar no tema do plágio. Curiosamente, quando fui convidado, imaginei que o problema de plágio a ser abordado no contexto de EAD se limitasse a cópias de trabalhos escolares/acadêmicos a fim de receber notas sem o esforço correspondente. Fiquei surpreso e decepcionado, logo no início da discussão, com a preocupação com a cópia de materiais didáticos, uma posição tão antitética à postura de publicar para avançar, típica da ciência, e do difundir conhecimentos, típica da educação.
É lamentável notar que ambas as áreas, ciência e educação, parecem ter sido contaminadas pela mesquinhez e pelo desrespeito à dignidade humana que vem sendo noticiados a partir da OMPI durante a semana em que ocorreu o SENAED 2009.
Mesmo ante essas surpresas infelizes, mantive meu planejamento de postagens diárias a respeito de direitos humanos e direitos autorais, mas acabei me adiantando na abordagem que planejava para a questão do plágio, razão pela qual não me estenderei mais neste último post, deixando apenas esta referência, e os outros comentários nela citados, para trazer à tona minha posição a respeito de plágio.
Mais uma vez agradeço pela oportunidade de reverberar aqui pensamentos de liberdade e bem comum, contrastando-os com a cultura do Pãnico introduzida para controlar, dominar e apropriar o que pertence à sociedade.
Todos temos o poder e a liberdade de trabalhar por um mundo melhor. Todos temos momentos na vida em que podemos escolher entre aceitar o subjugo da espécie humana às máquinas de fazer dinheiro, ou liberar nossas mentes e nossos semelhantes, para reconstruir um mundo onde tudo seja possível. Vamos batalhar por algo que valha a pena, ou esperar que um milagre aconteça? Assista ao trailer 2 e responda escrevendo os próximos capítulos da novela União dos Estados de Pãnico: pílula azul ou vermelha?