Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>
Publicado na trigésima-sexta edição, de março-junho de 2012, da Revista Espírito Livre.
Esta é a história de criaturas azuis, humanoides, mas de tamanho bem diferente do nosso. Viviam em harmonia com a natureza e em paz exceto quando se viam obrigadas a enfrentar a ganância humana. Se você por acaso estava pensando nos Smurfs e no Gargamel, olhe de novo para o título; se não estava, agora está! Mas eu queria falar do povo Na'vi e do ataque ao seu habitat e à sua cultura pela corporação (des)umana RDA.
Na boa, James Cameron é um gênio! Pra deixar claro, quando escrevo “Na boa” não estou me referindo à princesa Neytiri, que já deve ter estrelado em pôsteres centrais de revistas masculinas ou ao menos recebido propostas milionárias! Não, o que quero dizer é que, numa situação de disputa entre humanos e alienígenas, é natural a audiência humana se alinhar com os personagens humanos, mas para conseguir que se identifiquem com uma espécie alienígena, parece ser necessário expor elementos reprováveis, embora reais, de nossa natureza. E Cameron o fez com maestria!
Interessante é notar que, do ponto de vista dos Na'vi, os humanos e suas ameaças eram alienígenas, assim como para nós, humanos, as corporações e suas ameaças, embora não extra-terrestres, são alienígenas. Corporações não dormem, não descansam, não têm moral, simpatia nem compaixão, apenas buscam o lucro, ou aquilo que possibilite o lucro, tentando passar por cima de tudo o que ofereça resistência, seja aqui no presente da Terra, seja no futuro de uma lua de um planeta distante de nós e da realidade.
Lá, a RDA pretendia extrair o tão precioso quanto fictício Unobtainium, presente em grandes jazidas justamente embaixo da imensa árvore-lar dos Na'vi. Num primeiro momento, tentando evitar o uso da força, infiltrou avatares de humanos para tentar convencer a comunidade a abandonar sua cultura ancestral, da mesma forma que as RDAs de nossa realidade infiltram avautores e invatares para promover interesses alienígenas à nossa cultura e tomar o que não conseguem obter por si mesmos: nosso unobtainium criativo e cultural.
Por várias gerações, lograram sucessos parciais, permitindo que as RDAs tomassem progressivamente o controle de nossa cultura e nos fizessem abandonar hábitos ancestrais, como o de compartilhar cultura e conhecimento. Ao contrário dos Na'vi, não dispúnhamos de uma forma de nos conectar uns aos outros e compartilhar pensamentos numa consciência planetária, como a rede neural bio-botânica de Pandora ou a Internet, e por isso ceder um pouco de controle sobre nossa cultura e comunicação não parecia um grande problema.
Hoje, com nossa conexão quase biológica à rede planetária, a ideia de ser impedido de compartilhar pensamentos através dela é revoltante, por isso mesmo as RDAs se põe a nos atacar em nossas vidas e lares com todo seu poderio repressivo, jurídico e político, como fizeram aos Na'vi. Nos ameaçam e nos desconectam de nossos entes queridos, para nos desmoralizar e explorar economicamente o unobtainium que é nosso.
Tentam impor mudanças inaceitáveis às regras de convivência social, através de acordos escusos preparados às escuras, em que a população afetada sequer é convidada a opinar, e os poucos que tentam representar os interesses dessa população são sumariamente excluídos. Armados de aberrações jurídicas nacionais ou planetárias como AI5.1, ACTA, HADOPI, DEAct, ITA, Sinde, Lleras, SOPA, PIPA, CISPA e TPP, atacam nossa cultura, nossa rede e nossa comunidade planetária.
Os Na'vi conseguiram prevalecer no filme, mas não é o fim da história, apenas do primeiro ato. Em nossa rede planetária, a mobilização tem conseguido segurar o AI5.1, o ACTA, o SOPA e o PIPA, mas HADOPI virou lei na França, DEAct passou no Reino Unido, ITA dá base à ©ensura da Internet na Índia, Sinde e Lleras aprovaram seus projetos na Espanha e na Colômbia, o CISPA passou nos EUA de forma vergonhosa muito semelhante à aprovação do AI5.1 no nosso senado, o TPP vem sendo negociado em absoluto segredo, e achar que o ACTA morreu porque a Europa hesita em sua adoção é exatamente o tipo de dormida no ponto com que o principal proponente legislativo do AI5.1 se orgulha de ter contado para aprová-lo no senado brasileiro.
Rezemos para que exista uma Eywa terráquea, que possa convocar todas as forças da natureza para resistir aos ataques alienígenas, para que possamos continuar compartilhando nossas ideias e pensamentos em liberdade. Existindo ou não tal divindade, precisamos estar vigilantes a todo momento, porque as RDAs terrenas não descansam em suas tentativas de estabelecer Restrições Demasiadamente Abusivas. Vamos que vamos, que o segundo ACTA já começou (chama-se TPP), e outros mais virão! Meganão neles!
Copyright 2012 Alexandre Oliva
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