Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>
Publicado na vigésima-oitava edição, de julho de 2011, da Revista Espírito Livre. Escrito, originalmente em inglês, em resposta a Rob Weir, para esclarecer o significado de liberdade e poder, direitos e privilégios, e como copyright e copyleft se encaixam nesses conceitos.
Algumas definições e premissas:
- liberdade é a capacidade de tomar decisões sobre si mesmo e seu próprio futuro, bem como de implementá-las
- poder é a capacidade de tomar decisões sobre outros e o futuro deles, bem como de implementá-las
- a liberdade de um termina onde começa a do próximo
- usuários e desenvolvedores de software merecem liberdade sobre cada programa que usam para suas computações, especificamente:
- a liberdade de executar o programa para qualquer propósito
- a liberdade de estudar o código fonte do programa, para aprender com ele e verificar que ele se comporta como pretendido, e de adaptar o programa para que ele faça aquilo que o usuário quer
- a liberdade de fazer cópias do programa e distribuí-las
- a liberdade de melhorar o software e distribuir as melhorias
- direitos são liberdades reconhecidas e defendidas por instituições sociais
- privilégios são poderes concedidos e de cumprimento forçado por instituições sociais
- copyright é o poder de proibir outros de copiarem, modificarem, distribuirem e/ou executarem em público uma obra autoral
- copyleft é uma técnica, introduzida para defender as liberdades de usuários de software, através de restrição de poderes, sem faltar com respeito a liberdades
Então, veja, copyright (literalmente, direito de cópia) é um nome inadequado, pois ele não diz respeito ao direito de copiar. É, ao contrário, um privilégio, que dá poder a seu concessionário para impedir outros de copiar (e muito mais). Portanto, copiar não é um direito, pois não é defendido (ao contrário, é atacado) por instituições sociais, e copyright é um privilégio, mas não um direito, pois se trata de poder (decisão sobre outros), não liberdade (decisão sobre si mesmo).
Copyleft foi implementado pela primeira vez através de licenças de copyright, usando o poder restritivo do copyright para permitir a distribuição de software somente de formas que respeitem as liberdades de quem o receba. As condições estabelecidas em licenças copyleft não impedem alguém de executar, estudar, adaptar, copiar, melhorar ou distribuir o software ou melhorias sobre ele, portanto não interferem com as liberdades. As condições, ao invés disso, deixam de conceder a receptores um privilégio: o poder de privar outros receptores dessas liberdades.
Os efeitos do copyleft não dependem do copyright; isso é confundir especificação com implementação. Apesar de GPL, AGPL, LGPL, MPL, EPL, etc implementarem copyleft através de licença de copyright, efeitos similares poderiam ser alcançados na ausência de copyright através de distribuição sob compromissos contratuais, através de leis de proteção ao consumidor (dando poder a consumidores para exigir o respeito às suas liberdades), ou através da preservação da liberdade de expressão.
http://fsfla.org/blogs/lxo/pub/manifesto-livre-express
Pois bem, pelas leis de copyright ao redor do mundo, a autores de obras autorais se concede um privilégio, o poder jurídico de excluir outros de vários usos da obra. Receptores, sem permissão dos autores de uma obra coberta por copyright, não podem distribuir a obra a terceiros, de modo a impor seu poder através de distribuição seletiva (por exemplo, sem fontes), nem podem, sem permissão, se tornar co-autores, mediante modificação da obra, logo distribuindo cópias modificadas a terceiros, de modo a impor seus poderes de copyright.
A lei de copyright oferece a cada (co-)autor de uma obra o poder de vetar as liberdades de outros sobre a obra, e o poder de estender (ou não) o privilégio a potenciais coautores de obras derivadas. Copyleft não usa nenhum desses poderes: ele oferece permissões de modo a respeitar liberdades e deixa de estender o privilégio a co-autores, de modo que eles não possam vetar as liberdades dos demais. Licenças permissivas, como a licença X11, variantes das licenças BSD, e as licenças Apache, não usam o poder de vetar liberdades dos outros, mas estendem esse poder de veto a outros.
Portanto, para quem recebe a obra, a diferença entre licenças copyleft e licenças permissivas não está nas liberdades, mas no poder de não respeitar as liberdades dos outros. Agora, como a liberdade de um termina onde começa a do outro, esse é um privilégio ilegítimo. Para usos baseados em direitos e liberdades legítimos, copyleft e licenças permissivas fazem pouca ou nenhuma diferença. Assim, licenças permissivas não respeitam mais liberdade que licenças copyleft; ao invés elas habilitam poder ilegítimo sobre outros.
Claro, receptores éticos não vão abusar desse poder ilegítimo, mas por que sequer correr o risco de conceder esse poder a receptores, se dá pra evitar com copyleft a tragédia do bem comum através de um compromisso crível que mantenha a honestidade de receptores anti-éticos?
http://fsfla.org/~lxoliva/papers/free-software/BMind.pdf
Copyright 2011 Alexandre Oliva
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Last update: 2011-08-07 (Rev 8067)