Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>
Direito autoral, como tantas outras leis, foi introduzido para beneficiar a sociedade: um sacrifício temporário para incentivar a publicação de mais criações do espírito, que após um prazo integrariam o domínio público. Será que o sacrifício vale a pena?
Princípios do direito autoral
Até o século XVII, um cartel de editores de obras literárias não deixava de abusar de sua posição oligopolista. Sendo pouquíssimos os possuidores de máquinas tipográficas de imprensa, eram o único caminho dos escritores para a publicaçao de suas obras.
Escritores viam-se obrigados a aceitar o pouco que os editores ofereciam ou deixar suas obras sem publicação. Perdia a sociedade, tanto por não poder dispor de obras, se autores decidiam pela não publicação, quanto pela exploração do cartel, cujos membros não imprimiam obras adquiridas por outros membros.
Direito autoral surge como resposta a essa concentração de poder nas mãos dos poucos editores, tentando dispersá-lo entre os escritores, incentivando a publicação de mais obras, para benefício da sociedade.
Não funcionou. A indústria editorial continua controlando autores, obras e sociedade, pagando pouco aos autores e cobrando demais da sociedade. O monopólio sobre cada obra publicada, antes mantido através do cartel e da escassez natural dos meios de reprodução, agora, apesar do fim da escassez natural, se impõe por lei restritiva a toda a sociedade.
Remunerando obras culturais
Há quem acredite que direito autoral é necessário para remunerar o autor por seu trabalho criativo. É trivial mostrar que não. Antes de se introduzir direito autoral, no início do século XVIII, artistas já conseguiam obter remuneração por suas obras literárias, musicais, teatrais, esculturais, pictóricas etc.
Dentre as formas disponíveis aos autores para buscar remuneração, havia o mecenato, em que um nobre sustentava um artista, para ter prioridade na apreciação de suas obras; a contratação, em que se encomendava do artista uma obra específica, ou sua execução, e a execução de obras com cobrança de ingressos da audiência.
O autor, criativo que é, não precisa parar por aí. Antes da publicação da obra, tem algo que ninguém mais tem: a própria obra. Pode anunciá-la, publicar trechos para despertar interesse e pedir o preço que quiser. Em tempos de Internet, a divulgação e a publicação podem se dar praticamente sem custos e sem intermediários!
Ao exigir o “pagamento de resgate” para publicação da obra, o monopólio natural do autor, por ter acesso exclusivo à obra não publicada, faz frente ao monopólio de compra da sociedade, que tenderá a usar unida seu poder de barganha.
Se a sociedade não reunisse o montante pedido pelo autor, seria sinal que a obra não vale o preço pedido. Mas se qualquer conjunto de interessados conseguisse reunir esse valor, o autor receberia o resgate e libertaria a obra. Já tendo recebido a remuneração que pediu, não se justificaria qualquer outra medida para cercear usos da obra a pretexto de remunerá-lo.
Dividir para conquistar
O trunfo do qual a indústria tem conseguido se aproveitar é a divisão da sociedade que o direito autoral viabiliza em larga escala. Com direito autoral, quebra-se o monopólio de compra da sociedade, enfraquecendo seu poder de barganha conjunta.
O monopólio de venda passa a poder oferecer a cada indivíduo a tentação de comprar sua própria cópia da obra. Ao invés de somar forças com seus semelhantes, no que depender da indústria não poderá compartilhar sua cópia com ninguém mais. Induz cada um à traição ao próximo, ao pior resultado para ambos, num cenário tipíco de Dilema dos Prisioneiros, da ciência econômica Teoria de Jogos.
Para o autor experiente, que consegue estimar com razoável precisão quanto lhe custaria criar uma obra e quanto a sociedade estaria disposta a pagar por ela, faz pouca diferença. Se acha que vale a pena, cria a obra, pede o preço que a sociedade está disposta a pagar, recebe seu pagamento e liberta a obra, sem precisar se valer de qualquer direito autoral. Senão, nem a cria.
Mas com a redução do poder de barganha da sociedade, dividida pelo direito autoral, cada interessado paga mais do que pagaria se cooperasse com seus semelhantes. Assim, obras que de outra forma não valeriam a pena criar passam a valer, porque a sociedade, dividida, é induzida a pagar mais do que cada obra vale. Este é o incentivo do direito autoral, para que mais obras sejam publicadas.
Içando penas e custos
Mas quem acaba as explorando é a mesquinha indústria editorial, que adiciona custos para distorcer a opinião pública, para preservar jurídica e tecnicamente a escassez artificial das obras e dos meios de publicação e para lucrar e manter essa estrutura funcionando. Paga mal aos autores, mas gasta mais elegendo e remunerando legisladores para que endureçam as leis, contra a sociedade.
Assim, as penas para violações dos interesses da indústria e os custos para que cada obra seja publicada, impostos à sociedade, ficam cada vez mais salgados, como o “Mar Português” de Fernando Pessoa:
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! [...] Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Dentre as grandes almas, vale lembrar Thomas Jefferson:
Não importa quantas pessoas a compartilhem, a idéia não se reduz. Quando escuto sua idéia, ganho conhecimento sem diminuir nada seu. Da mesma forma, se uso sua vela para acender a minha, eu me ilumino sem escurecê-lo.
Em se tratando de criações de espíritos pequenos e mesquinhos, e da indústria editorial desalmada e desumana, a conclusão é clara:
Direito autoral... Será? Vale a pena? Não, se a alma é pequena! Autores de bem, ascendam as velas, se lhes chama a navegar no ciberespaço, nossas janelas, na Internet, o nosso mar!
Copyright 2009 Alexandre Oliva
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Last update: 2009-05-29 (Rev 5213)