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Portabilidade de Software

Alexandre Oliva <lxoliva@fsfla.org>

Publicado na décima-quinta edição, de junho de 2010, da Revista Espírito Livre.

É gratificante assistir a comerciais de telefonia móvel que ressaltam a portabilidade dos números, os aparelhos desbloqueados e os contratos sem aprisionamento. Após tanto ouvir a falácia de que ninguém se preocupa com a liberdade, vê-la valorizada em cadeia nacional no horário nobre confirma que muita gente entende e se preocupa com ela, exceto quando é (dis)traída por quem pretende ganhar com a privação.

A satisfação é ainda maior porque telefones-cela não são o único campo em que brotam valores de liberdade, sob o nome de portabilidade. Já faz muito tempo que a lei garante a portabilidade de planos de previdência privada, permitindo trocar livremente um banco provedor desse tipo de serviço por outro. Mais recentemente, estabeleceu-se a portabilidade de crédito, que dá maior poder de negociação aos endividados frente aos credores, e a dos planos de saúde, garantindo a possibilidade de mudar de prestador sem carências ou pagamentos duplicados.

Todas essas portabilidades estabelecidas em lei, inclusive a de números de telefones fixos e móveis, são sintomas de que a sociedade não quer ser aprisionada a provedores de serviços, que barreiras levantadas pelos prestadores para impedir clientes de buscar melhores condições e serviços não são consideradas aceitáveis.

Surpreendende é, no que diz respeito a software, tanta gente achar normal ficar sujeita a restrições de plataforma (sistema operacional, tipo de processador), desmandos e caprichos (ou desleixos?) exclusivos de um provedor para que o software que utilizam acompanhe a evolução de suas necessidades; achar normal ter de arcar com dificuldades de retreinamento e perda de dados armazenados em formatos secretos para buscar prestadores de serviço alternativos.

É claro que usar e investir em Software Livre afasta esses males. As liberdades #1, de estudar o código fonte e adaptar o software para que faça o que quiser, e a #0, de executar o software para qualquer propósito, garantem independência e autonomia ao usuário do software, desde que disponha de ou possa obter o conhecimento técnico e outros recursos necessários para gozar da liberdade #1 e auto-suprir os serviços de que necessite. Guardadas as devidas proporções, é mais ou menos como ter sua própria instituição telefônica, médica ou bancária: mesmo não havendo necessidade de concessão estatal para operar, é algo para relativamente poucos.

As liberdades #2, de distribuir o software, e #3, de melhorá-lo e distribuir as melhorias, completam a garantia da portabilidade dos serviços: mesmo quem não tem as habilidades técnicas nem tempo ou vontade de aprender pode terceirizar livremente os serviços de suporte, adaptação e melhoria. Não estando satisfeito com o serviço, o preço ou as condições de um prestador, o usuário leva o software que utiliza para que outro preste os serviços, sem carência, sem perda de dados, sem reinstalação nem retreinamento.

Problema resolvido? Só pra quem já não usa software privativo algum! Para todos os demais, arcar com os inconvenientes e os custos de saída do aprisionamento são uma opção muitas vezes difícil. Entende bem quem, por não conseguir comprar de volta sua liberdade, acabou mantendo uma dívida ou um plano de saúde ou de telefonia junto a um provedor abusivo, apesar da existência de outros que o respeitariam.

É aí que pode intervir a legislação. Numa democracia, a lei emana do poder do povo, pelo povo e para o povo. Como temos visto em leis de defesa de consumidores e nas várias regulamentações de portabilidade entre prestadores de serviços, é possível!

Quanto tempo passará até a sociedade perceber a influência e a dependência cada vez maiores de software nas relações sociais, dos votos eletrônicos aos de feliz aniversário? Quanto demorará para exigirmos as liberdades necessárias para a portabilidade de software, através não só do exercício individual e inteligente da liberdade e do poder de escolha, mas também de exigências legais para comercialização de software e serviços relacionados? Quanto tempo os lobistas do software privativo conseguirão resistir a um projeto de lei que estabeleça e regulamente a portabilidade de software, garantindo as 4 liberdades essenciais a todos os usuários? A estação é propícia e nessa terra, em se plantando, tudo dá, então vamos semear essa ideia de exigir as liberdades: #3, #2, #1 e #0, já!


Copyright 2010 Alexandre Oliva

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