Entrevista com o Pirata

Alexandre Oliva

Publicado na trigésima-quarta edição, de janeiro/fevereiro de 2012, da Revista Espírito Livre.

Barba Ruiva XII, descendente do famoso também pirata Barba Ruiva, concordou em receber a equipe de reportagem da Revista Espírito Livre em sua embarcação, temporariamente ancorada em local secreto, para uma rápida entrevista sobre...

BRX: É, é bom que seja rápida mesmo, porque meu tempo vale dobrões de ouro!

REL: Então comecemos. Como andam a relação entre pirataria e computação? Você observa muita concorrência?

BRX: Concorrência? Você chama de concorrência essa molecada que fica se chamando de pirata só porque sabe usar um navegador pra derrubar um site? Arre! Não sabem usar uma espada, ler uma carta náutica, nada! Não conseguiriam roubar nem um doce de uma criança! Nós, piratas, não derrubamos sites, derrubamos matros e velas; não matamos processos, matamos a tripulação! Chamar essas imitações baratas de piratas é uma afronta à nossa honra e à nossa gloriosa tradição!

REL: Ah, mas eu me referia aos avanços tecnológicos que vocês certamente têm usado em seu, err, ramo de negócios, e à concorrência entre os hackers prestadores de serviço nessa área.

BRX: Nem me fale de hackers! A gente tem usado cada vez mais a informática para desorientar as embarcações que queremos invadir, sim, mas nossa experiência com hackers não foi nada boa. Eles ou ficam de frescura por causa de uma tal de ética hacker, que “querem fazer usos surpreendentes da tecnologia mas sem prejudicar ninguém”, ou são script kiddies que viram na grande imprensa uma história torcida sobre hackers como piratas de computadores, mas mal sabem diferenciar zero de um! É uma vergonha! Hoje em dia, quando precisamos de alguém pra um serviço decente de e-invasão de um navio, contratamos crackers, que manjam do negócio e não ligam de estar fora da lei.

REL: Por falar em leis, o que pensa sobre o Partido Pirata?

BRX: Quando ouvi falar, achei que seria bom regulamentar nossa profissão pra coibir o exercício ilegal e a venda de produtos falsificados. Cheguei até a contribuir pras campanhas e contratar lobbistas pra trabalhar com eles. Só depois fiquei sabendo que esses intelectuais só querem saber de copiar e compartilhar! Estão se apropriando indevidamente da nossa marca! Político é tudo igual, mesmo, nunca faz o que a gente espera! Quando votam neles pra não roubarem, roubam, mas quando votamos neles pra regulamentar o roubo em alto mar e a venda da pilhagem, não querem nem saber de roubo!

REL: Mas as leis servem para beneficiar a população. Por que regulamentariam a venda de produtos inferiores?

BRX: Por mil garrafas de rum, vocês da imprensa também são todos iguais! Sempre confundem as falsificações, as réplicas idênticas e os produtos piratas autênticos, aqueles perfeitamente legítimos que saqueamos no mar!

REL: Mas já que é tudo roubado, não são igualmente injustos?

BRX: Injusto é tentar fazer parecer que são a mesma coisa! Uma imitação barata, se comprada por alguém que sabe que é isso que ela é, não prejudica ninguém; tentar fazê-la passar por produto autêntico é que seria injusto! Já uma réplica idêntica tem a mesmíssima qualidade, mas é natural que aqueles que querem vender mais caro tentem desmerecer a concorrência, mesmo que o argumento seja mentiroso e injusto. O produto pirata, por sua vez, é subtraído de seu antigo dono, que portanto não pode mais dispor dele. Roubarmos de quem manufatura seria injusto, pois manufaturar produtos que tenham demanda é um trabalho que merece ser remunerado. Mas e roubar do intermediário que explora a mão de obra pagando uma merreca a quem manufatura e revendendo os produtos por uma fortuna? Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, então roubar desse intermediário, se não for justo, é pelo menos perdoável! Além do mais, invadir navios, transportar a carga e vendê-la a preços acessíveis dá um trabalhão! Por que não mereceríamos remuneração por esse nosso trabalho?


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