Um por todos, todos por um!

Alexandre Oliva

Publicado na terceira edição, de junho de 2009, da Revista Espírito Livre.

Cooperação, respeito e lealdade aos companheiros: esse era o espírito do maior trio de mosqueteiros da cultura mundial. Maior não apenas porque nunca antes na história daquele país se vira um trio com tantos membros: Athos, Porthos, Aramis e d'Artagnan; senão principalmente pelo exemplo grandioso e inspirador de atitude solidária e fraterna, essência do Movimento Software Livre e da Cultura Wiki.

Fraternidade, a prática de tratar ao próximo como um irmão, tem suas raízes no princípio moral universal da reciprocidade, de tratar ao próximo como se gostaria de ser tratado. Como ninguém gosta de ser desrespeitado e cerceado, e ninguém faria isso a um irmão querido, esse princípio embasa o imperativo moral e ético de respeitar as quatro liberdades enumeradas na Definição do Software Livre, tanto as duas primeiras, da auto-suficiência, quanto as duas últimas, da fraternidade ativa.

Sim, pois a fraternidade não se limita ao mero respeito ao próximo, não lhe pondo obstáculos. Alcança também o anseio humano inato de estender a mão aos seus semelhantes, como faziam os neomosqueteiros Salim e Jamal Malik e sua companheira Latika. Impedir alguém de atender a esse anseio, de saciar necessidades alheias, de compartilhar e contribuir para com a comunidade, estende desrespeito e malefício a quem tem o anseio frustrado e a todos que dele se beneficiariam.

Em contraponto, o respeito a esse anseio viabiliza a solidariedade, o espírito de equipe e de ajuda mútua em que se constrói qualquer comunidade ou parceria, seja um casal funcional, uma comunidade Wiki ou de desenvolvimento de Software Livre, até toda uma sociedade, como a Confederação Helvética. O mesmo espírito de “(cada) um por todos, todos por (cada) um!” de três ou quatro mosqueteiros uniu os vários cantões suíços, permitindo cooperação num ambiente em que prevalece a solidariedade, por força da lealdade e do respeito mútuo.

Na mesma linha, o Movimento Software Livre propõe aos usuários a solidariedade como fórmula para solucionar o problema social do desrespeito às liberdades de todos: se usuários permanecerem leais e solidários, rejeitando, ainda que à custa de algum sacrifício pessoal, o desrespeito de quem ouse tentá-lo, o respeito prevalecerá.

É curioso que a frase presente na obra de Alexandre Dumas tenha se popularizado na ordem inversa à que ele escreveu, “tous por un, un por tous”, locução proveniente do Latim “Unus pro omnibus, omnes pro uno”. O Latim nos trouxe ainda a locução “E pluribus unum”, igualmente relacionada a comunidades e formação de países, e também invertida na atual cultura popular, senão na escrita, sem dúvida nos valores.

O sentido original carregava a noção da construção de um todo unido a partir de componentes plurais com grande diversidade. Para simbolizar a união de diferentes colônias e povos, a frase em Latim foi adotada no brasão dos Estados Unidos da América logo após sua independência.

De lá para cá, tem adquirido um sentido de competição destrutiva, perdendo o sentido de como-unidade. Ao invés do “a partir de muitos, forma-se um”, como a “uma só carne” do casamento cristão, é comum hoje em dia encontrar quem entenda a expressão como “de muitos, um se destacou”, ou mesmo “restou apenas um”, um sentido Highlander que nada carrega do original comunitário, solidário e fraterno.

Em tempos em que o mercado descontrolado do “cada um por si” de Adam Smith anda em baixa (em mais de um sentido), ganha força a constatação de John Nash, a Mente Brilhante do filme, de que a premissa de Smith era incompleta: “o melhor resultado advém de cada um fazer o melhor para si, e para o grupo”, ou “cada um por si e por todos”.

Monopólios artificiais como as versões atuais, corrompidas, de direito autoral, patentes e marcas, tiveram origem a partir de pressões apoiadas na busca do benefício próprio, pregada por Smith, mas paradoxalmente dependeram, para sua introdução, e cada vez mais dependem, para sua manutenção até os dias de hoje, da forte intervenção estatal rejeitada por princípio na economia liberal.

Esses privilégios impróprios, cada vez mais usados com propósitos anti-concorrenciais (outro conflito com a doutrina da economia liberal), têm mostrado repetidamente que a satisfação da ambição individual, levada às últimas consequências, não só não serve ao bem comum, como ainda o prejudica. Por isso mesmo ganham mais espaço os modelos de produção e inovação “coopetitivos” Wiki e Software Livre.

Nessa nova economia, em que a competição se dá não em oposição, mas em adição à cooperação, à solidariedade e à fraternidade, vale propor uma combinação dos lemas dos mosqueteiros franceses e dos fundadores estadunidenses: “(cada) um por todos, todos por (cada) um e pelo um formado por todos.” Falta só descobrir como escrever isso em Latim.


Copyright 2009 Alexandre Oliva

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